Textos
Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
MECENATO

       Reza a tradição que o termo mecenato resultou do nome de Caio Mecenas (68 – 8 a.C.), influente conselheiro do imperador Augusto que formou um círculo de intelectuais e pensadores, sustentando a sua produção artística. O comportamento de Mecenas tornou-se um modelo de que vários governos se valeram de artistas e intelectuais para melhorarem a própria imagem.

       Assim, esse tipo de incentivo à cultura tornou-se prática comum no período renascentista, que buscou inspiração na antiguidade greco-romana, e passou a conotar pessoas dotadas de poder ou dinheiro que fomentam a produção da cultura e promoção dos artistas.

       Porém, com a evolução, ao conceito clássico de protecção aos artistas e às artes a título meramente filantrópico, as sociedades modernas acrescentaram um conjunto de incentivos de natureza fiscal (que se traduzem na redução de impostos) a quem contribua para o desenvolvimento sociocultural do respectivo País.

       Daí que, num sentido mais amplo, corresponda ao incentivo financeiro de actividades nos mais variados campos, através da concessão de donativos sem fins lucrativos, no sentido de apoiar instituições e pessoas singulares que prossigam fins de natureza predominantemente cultural ou social.

       Portanto, “ Mecenas” são aqueles que patrocinam, com donativos, entidades públicas ou privadas que exerçam acções relevantes para o desenvolvimento social, cultural, ambiental ou científico, enquanto o estatuto de "Beneficiário" visa as entidades ou pessoas colectivas públicas e privadas que tiverem recebido quaisquer liberalidades.

       Fundamentalmente, o mecenato traduz-se na protecção dispensada às artes, letras e ciências, bem como aos respectivos criadores, por indivíduos com poder económico e espírito de magnanimidade. A este conceito tradicional de mecenato, a legislação associou um conjunto de incentivos de natureza fiscal no sentido de beneficiar aqueles que assim contribuírem para o desenvolvimento de actividades relevantes nas áreas social, cultural, educacional, ambiental, desportiva ou científica.

       Embora não conduza a um retorno imediato (tanto em termos económicos e financeiros ou mesmo comerciais), o Mecenato Cultural passou a ser também entendido como parte integrante das responsabilidades sociais por muitas empresas, considerando que o conceito de cidadania é hoje mais abrangente, levando aqueles que fazem da qualidade e da excelência critérios de acção a se sentirem vinculados a devolver às comunidades onde se inserem parte dos benefícios económicos que dela receberam.

        Merece também referência o Mecenato Social que compreende o apoio à educação, ambiente, investigação científica e apoio social. Nesta área do mecenato podem, igualmente, ser beneficiárias instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas colectivas legalmente equiparadas e, ainda, pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública que prossigam fins de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social e cooperativas de solidariedade social.

       Deste modo o Mecenato tornou-se uma componente essencial do desenvolvimento económico e civilizacional das sociedades, acrescido do facto de ser identicamente considerado uma mais-valia para o posicionamento e implantação junto do público, porque as empresas têm a noção do poder da cultura como indutor de negócios, através do reconhecimento dos valores associados às respectivas marcas.

       Por este motivo são normalmente seleccionados os projectos que se apresentem coerentes, sustentáveis e em função das potencialidades de um possível retorno com a satisfação das comunidades beneficiadas. Daí constituírem condições essenciais: a idoneidade e capacidade de gestão do projecto apoiado; a relevância, ou seja, o facto de o mesmo ser essencial para a existência do projecto; a sustentabilidade e continuidade, ou seja a capacidade de perdurar e gerar resultados a longo prazo; a estabilidade e a criação de um vínculo duradouro, que permita fazer algo não apenas efémero, mas com estabilidade no sentido da sustentabilidade social.

       Em contra partida constituem vantagens para os Mecenas a satisfação pessoal, a valorização social e humana, o prestígio resultante da melhoria da imagem institucional ou pessoal ao associar o seu nome a actividades de relevante interesse para a sociedade, o apresentarem-se como dinamizadores das sociedades através da participação activa e, ainda, a obtenção de benefícios fiscais como a redução do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e das pessoas singulares.

       Convém realçar que Cabo Verde incentiva o Mecenato através de um conjunto de diplomas (1) que regulamentam o respectivo regime jurídico nas diversas vertentes já referidas, bem como criando condições para a sua efectivação e implementação naqueles domínios. 

        Tais normas visam, fundamentalmente, estatuir o Mecenato e ao mesmo tempo simplificar os procedimentos, por forma a não só estimular a sua aplicação, como também emprestar maior justeza aos princípios a observar no sentido da maior transparência. 
       Trata-se, portanto, de um processo que engloba informações acerca da apresentação de projectos às instâncias governamentais responsáveis por aquelas áreas, as quais para além da sua análise e aprovação, a legislação prevê, igualmente, o acompanhamento e a avaliação da execução dos que forem reconhecidos como de interesse, por ordem a conferir os resultados atingidos com os objectivos previstos e a repercussão da iniciativa nas comunidades. 

       Dado que os objectivos subjacentes ao Mecenato visam fomentar, proteger e desenvolver as áreas social, cultural, desportiva, educacional, ambiental, juvenil, científica, tecnológica, saúde e sociedade de informação, e tendo presente que a responsabilidade de valorizar e colocar ao dispor das comunidades todo esse legado não é uma tarefa exclusiva do Estado, cabe ao sector privado (singular e colectivo) desempenhar similarmente um papel preponderante na sua implementação com base nesta prorrogativa legislativa.

       Para um melhor desempenho, a legislação sobre o mecenato prevê o acompanhamento e a avaliação da execução dos projectos reconhecidos como de interesse cultural e social, por ordem a comparar os resultados atingidos com os objectivos previstos, os custos estimados e reais e a repercussão da iniciativa na comunidade. 

       Neste suporte jurídico são ainda abordadas configurações como benefícios fiscais dos mecenas, beneficiários das liberalidades, isenção fiscal, isenção aduaneira, tipos de mecenato, registo e acompanhamento, incompatibilidades e, também, são previstas sanções.

       Entretanto, a própria Plataforma de ONG’s considera que os benefícios da Lei de Mecenato quase não são aproveitados por incompreensão dos trâmites processuais, tanto da parte das Organizações Sociais e Comunitárias como dos Empresários, acrescentando: “O marketing social também é pouco explorado, pois ainda as empresas não estão cientes que com esta ferramenta poderão conquistar, através de acções de carácter social, o lucro indirecto”. (2)

       Constata-se, pois, que apesar das vantagens para ambas as partes, não têm sido devidamente aproveitadas as mercês deste polo dinamizador da sociocultura cabo-verdiana, não sabemos se devido à pouca abertura por parte dos potenciais mecenas ou se devido à falta de informação dos possíveis interessados, acrescido do desconhecimento dos trâmites processuais e daí o interesse em se tentar alertar para os benefícios do Mecenato para ambas as partes.


Notas:

1 - O Mecenato em Cabo Verde encontra-se regulamentado por um regime jurídico englobando, entre outras: Lei nº 45/VI/2004, de 12 de Julho; DR nº 8/2004, de 25 de Outubro – Regulamenta o Mecenato Cultural; DR nº 9/2004, de 25 de Outubro – Regulamenta o Mecenato Desportivo; Portaria nº 39/2005, de 4 de Julho – Cria o Serviço de Registo dos Mecenas e dos Beneficiários; Lei nº 26/VIII/2013 de 21 de Janeiro.

(2) - A Semana, 8-9-2014

(A Nação n.º 410, 09 a 15 de Julho de 2015)