Textos
Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
EM TORNO DA MODA

O termo moda designa, geralmente, uma opção baseada em critérios de gostos, cuja característica principal consiste em apresentar-se como transitória e sofrer uma persistente renovação.


Embora aplicada a qualquer actividade recorrente que satisfaça os interesses de um grande número de indivíduos, normalmente quando se fala em “moda”, as pessoas pensam logo em criadores, estilistas e modelos. Acontece que, na linguagem corrente, a moda como “indústria ou comércio do vestuário” triunfou sobre a “moda” enquanto “estilo prevalecente e passageiro de comportamento”.


Ligada ao vestuário, surgiu quando o Homem ultrapassou a mera necessidade de se proteger e se tornou um aspecto cultural com a dinâmica das exigências sociais. Todavia, a variedade e contínua sucessão de inovações no vestuário não terão sido tão grandes nas sociedades mais antigas e, apesar de as formas de vestir se alterarem ao longo dos tempos, actualmente as grandes modificações correspondem ao sucesso do que é novo, incrementadas pelas transformações socioculturais e ampliadas pelas facilidades das auto-estradas das comunicações.


Como fenómeno social importante, ainda que inicialmente limitado a um pequeno grupo privilegiado, a moda com impacto não se manifestou, praticamente, até ao Renascimento quando os príncipes e nobres se apoiaram em modelos do bem-vestir, ou seja determinando diferenças entre ordens e mais tarde entre classes sociais, cada uma destas com o seu modo de vestir característico que as distinguia, pois estava expresso nas regras.


Historicamente, tornou-se um atributo das classes média e alta mais interessadas na mudança e mais dinâmicas, pelo que dominavam as “modas burguesas”. A partir do século XVIII, com a publicação de figurinos da moda, propagou-se pelas restantes camadas da sociedade. Assim, iniciativas da moda transitaram do âmbito palaciano para os profissionais de alfaiataria, que adquiriram assinalável prestígio e se converteram em protagonistas de empresas com importância económica.


Apesar da sua generalização nos séculos XIX e XX, a moda continuou a fixar diferenças sociais. Portanto, constitui um elemento capaz de inserir o indivíduo em determinado grupo ou contexto, ao mesmo tempo que oferece padrões económicos quase estandardizados. Lá diz o ditado popular que “o hábito faz o monge”, significando que o traje pode transmitir “quem é quem”.


Abordado como um fenómeno sociocultural, a moda expressa valores, tradições, hábitos e costumes de uma determinada época (espaço/tempo), levando a que, também, o estilismo e o design sejam elementos integrantes do desenvolvimento do “conceito moda”, onde os criadores têm um papel bem definido.


Assim, trata-se de um estruturado sistema que acompanha o vestuário ao longo do tempo, integrando o uso do vestuário (mesmo do dia-a-dia) num contexto maior, político, cultural e sociológico. Consegue-se ver a moda naquilo que se escolhe de manhã para vestir, no look de um punk, de um skatista e de um pop star, nas passarelas, etc.. Por isso, em cada dia que passa o “mundo da moda” evolui e surpreende com cores diferentes, novas tendências, estilos inusitados e inovadores, proporcionando aos que a seguem orientações sempre construtivas e ousadas.


A moda é, igualmente, um modelo de comportamento praticamente “ilógico” e transitório, que tende a repetir-se na sociedade cujos membros anseiam pelo reconhecimento de “estatutos”, ao se expressarem por meio da imitação das chamadas elites. Tais representações constituem canais para demonstrações de gostos e “disposições colectivas” e podem ocasionar mudanças básicas não só na atitude subjectiva das pessoas (principalmente os mais jovens), como na sua ordem normativa.


Tomando um grupo social como unidade de análise, percebe-se que a moda tornou-se uma questão de imitação das classes mais elevadas por parte das camadas imediatamente mais baixas, na disputa por símbolos (superficiais e instáveis) de status. Representa uma forma de diferenciação social mas, paradoxalmente, pelo facto de sua constante mudança, ela distingue a um tempo, o outro, um estrato social, une elementos da mesma classe e segrega-os das demais. Por isso, normalmente a elite inicia uma moda e quando as massas a imitam num esforço de eliminar as distinções externas de classe, aquela abandona-a e substitui por outra.


Portanto, a moda funciona como um fenómeno de renovação e a sua reprodução é básica no visual da nossa sociedade. O sociólogo alemão Georg Simmel (Filosofia da Moda, 1895) explicou que no jogo da vida contemporânea esse mimetismo “proporciona ao indivíduo o sossego de não permanecer sozinho no seu agir, mas apoia-se nos exercícios habituais da mesma actividade como firme alicerce, que alivia o acto presente da dificuldade de suster a si próprio. Onde imitamos, deslocamos não só a exigência da energia produtiva de nós para o outro, mas também ao mesmo tempo a responsabilidade de agir: ela liberta assim o indivíduo da dor da escolha e deixa-o, sem mais, aparecer como um produto do grupo, como um receptáculo de conteúdos sociais.


Apesar do leque de escolhas ser actualmente mais alargado que em 1895 e as mentalidades ou comportamentos bem diferentes, por mais sofisticados e autónomos, a adesão à moda (através da imitação) transfere a responsabilidade da acção, pois passa-se de indivíduos a elementos de um grupo e consequentemente as novas liberdades trazem em si próprias o perigo de novas prisões.


O pretenso individualismo em que hoje se vive caracteriza-se pela impulsividade e pela inquietude, pelo que o “brilharete do individual” constitui, também, um sucesso da moda (modelos exclusivos), pois “é quase um sinal do poder intenso da moda que ela, em vez dos seus domínios originários, das exterioridades do vestir-se, arrasta cada vez mais para a sua forma mutável também o gosto, as convicções teóricas e até os fundamentos morais da vida”, como salienta Georg Simmel.


Uma outra influente vertente da moda está ligada ao consumismo ditado por esse dinâmico mercado, pois a tendência é para comprar o que é novidade, pouco importando se determinado produto afecta a “saúde” do consumidor. Pensando nessa predisposição (principalmente das mulheres) os fabricantes utilizam o poder da comunicação social no lançamento da moda para determinada época, apresentada como sinal de elegância, bom gosto e enaltecer a beleza (por vezes desvalorizando o conforto).


A própria natureza transitória da moda exige que seja seguida apenas numa temporada por boa parte de um delimitado grupo social, geralmente os de mais posses, e à medida que a mesma se difunde caminha gradualmente para o fim. Daí que aproveitando a mudança das estações, o fenómeno moda impõe a substituição das colecções do vestuário no seu sentido amplo.


Sendo um fenómeno funcional e colectivo, a “moda” é um processo e não um conteúdo, ou então um processo que integra um conjunto de conteúdos. Registe-se que a psique moderna nasceu como psique do presente e do efémero, da novidade, do esgotamento (e até do descartável), da mesma forma como a moda consiste num procedimento passageiro e em constante mudança.


Após estas breves considerações, convém referir que Cabo Verde também integra o mundo da moda e no que diz respeito ao vestuário (por exemplo) são notórias as influências externas, não só através dos diversos media (último grito da moda), como também das novidades que são portadores os torna-viagens ao tentarem exibir uma apresentação que demonstre a melhoria das condições de vida e, ainda, nas “encomendas” enviadas aos familiares.


Acresce que os desfiles de moda com vestimenta elaborada pelos estilistas cabo-verdianos e estrangeiros já ocorrem com bastante frequência nos centros populacionais e unidades hoteleiras cabo-verdianas, dando a conhecer tanto a residentes como aos visitantes as suas criações. Saliente-se que na apresentação dos seus trabalhos, participam nesses desfiles modelos cabo-verdianos (residentes e não residentes no país).


Destaque-se, a propósito, que a inspiração destes estilistas conjuga características da moda internacional com a utilização de tecidos e padrões tradicionais do arquipélago ou africanos, concedendo um cariz muito particular à sua criatividade, sendo de aludir, ainda, que atestam grande diversidade nas criações. Este sector poderá traduzir-se num bom nicho de investimentos, ainda pouco incrementado mas potencialmente encorajador quando conseguirem exportar os seus produtos, já que demonstram qualidade e se detectam estilos próprios, tendências específicas e padrões originais.


Curiosamente criadores cabo-verdianos estão a utilizar, cada vez mais, o “pano-da-terra” em concepções com muita aceitação. Material antigamente usado pelas populações, tendo chegado inclusivamente a ser moeda de troca no comércio de escravos, caiu em desuso com a importação de tecidos, na medida em que as classes mais elevadas procuravam demonstrar o seu poder económico através do vestuário, passando depois a ser imitados pelas outras camadas sociais.
Ressalte-se, portanto, que após a Independência Nacional o “pano-da-terra” foi recuperado e actualmente entra na confecção do vestuário e de outros acessórios da moda numa possível afirmação da Identidade Cultural.

 

(A Nação n.º 318, de 03 a 09 e Outubro de 2013)