In Memorian João Lopes

“In Memorian” de João Lopes Filho enaltece “qualidade parque editorial”, diz Alberto de Carvalho

Alberto Carvalho, investigador que apresentou em Lisboa, o livro “In Memorian” de João Lopes Filho enalteceu a qualidade do parque editorial em Cabo Verde, digno de ombrear com quaisquer outros de alta tecnologia.O investigador falava no auditório Agostinho da Silva, na Universidade Lusófona, onde apresentou na quarta-feira, a obra, a 16ª do antropólogo João Lopes Filho, que teve a particularidade de, neste livro, reunir documentos sobre o seu pai.

João Lopes Filho explicou que a obra teve o acompanhamento de Arnaldo França e que nela se procurou que “todas as facetas ficassem expostas”, sendo o livro “não um enaltecimento”, mas, disse “uma homenagem ao homem e à sua obra”.

Alberto Carvalho, que estuda Cabo Verde há 31 anos, na sua análise longa que incluiu a capa, a editora - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro - considerou a obra como “um ícone humanista” que vai desde 1920 a 1970 e fixa um retrato que é dinâmico e público. “Não há no livro nada de adulador. Ninguem está a queixar-se. Encara os factos históricos com objectividade sem juizos de valor nem recriminações”, disse.

Ao falar desta obra, o investigador português que já foi agraciado pelo Estado e Cabo Verde pelo seu contributo na História, atravessou quase toda a vida de João Lopes (pai) citando importantes figuras que também marcaram esse periodo.

Na sua dissertação pela nação cabo-verdiana e a sua cultura, Alberto Carvalho afirmou que, ao contrário do que se diz, a “Claridade não fundou a literatura cabo-verdiana, mas fundou a literatura da modernidade”, e enfatizou: “Fundou em cima de algo que já existia e isto é mais meritório, porque é preciso muita qualidade para conseguir impor ao que já existia”.

Para Alberto de Carvalho, a literatura cabo-verdiana no século XIX era um processo em desenvolvimento. Já em 1847/1848 havia uma consciência de nação e lembrou escritos de Sérvio Rodrigues Vasconcelos e Evaristo de Almeida que escreveu “O Escravo”, processos progenitores de uma literatura que se ia crescendo.

Concluiu afirmando que João Lopes não foi universitário, estudou por si, mas teve coerência. “Ele reconhecia que tinha dificuldades e ia estudar. Isto é a humildade científica!”, disse aquele professor evidenciando o seu espírito humanista.

«In Memorian João Lopes» de João Lopes Filho é uma espécie de resgate ao esquecimento de seu pai, foi apresentado no Centro Cultural do Mindelo em Dezembro de 2007. Com prefácio de Arnaldo França e mais de 300 páginas, reúne uma autobiografia de João Lopes, um texto de Luís Romano, testemunhos de António Nobre Leite, Teixeira de Sousa, Viriato de Barros, José Carlos Delgado e Francisco Mascarenhas, entre outros.

O livro de Lopes Filho apresenta ainda entrevistas que o pai do autor deu à Comunicação Social e cartas que o intelectual e último director da revista Claridade trocou com alguns dos seus colegas, como Manuel Lopes e Aurélio Gonçalves e Gerald Moser e José Lisboa.

«O mais grave padecimento de que pode sofrer um intelectual ou artista é ser votado ao silêncio, ou então a uma tácita manobra de não-existência dentro do seu próprio ambiente social», segundo Luís Romano, está na base desta iniciativa de João Lopes Filho.Natural de São Nicolau, João Lopes, seu pai, faleceu em Lisboa em 1979, aos 85 anos.

in A Semana, 13 de Abril de 2008

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Mindelo – “In Memorium João Lopes”


Mindelo – “In Memorium João Lopes” é o título do livro de João Lopes Filho, apresentado sexta-feira à noite, no Centro Cultural do Mindelo, em São Vicente, no âmbito das celebrações do dia Nacional da Cultura.

“In Memorium”, com prefácio de Arnaldo França e mais de 300 páginas, reúne uma autobiografia de João Lopes, um texto de Luís Romano, testemunhos de António
Nobre Leite, Teixeira de Sousa, Viriato de Barros, José Carlos Delgado e Francisco Mascarenhas, de entre outros.

O livro de Lopes Filho apresenta ainda entrevistas que o pai do autor deu à Comunicação Social e cartas que o intelectual e último director da revista Claridade trocou com alguns dos seus colegas, como Manuel Lopes e Aurélio Gonçalves e Gerald Moser e José Lisboa.

“O mais grave padecimento de que pode sofrer um intelectual ou artista é ser votado ao silêncio, ou então a uma tácita manobra de não-existência dentro do seu próprio ambiente social”, segundo Luís Romano, está na base desta iniciativa de João Lopes Filho.

Natural de São Nicolau, João Lopes faleceu em Lisboa em 1979, aos 85 anos.

Abílio Tolentino, in Inforpress, 22 de Outubro de 2007

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Apresentação de "In Memorium João Lopes" por MATEUS DOMINGOS MONTEIRO

Autor: João Lopes Filho

Permitam-nos, antes de mais, felicitar a Câmara Municipal por mais um aniversário de São Nicolau; agradecer o Sr. Presidente pelo convite que nos fez para fazer a apresentação pública de In Memoriam João Lopes; felicitar o autor e dizer que sentimo-nos honrado por isso!
A apresentação que nos reúne tem a particularidade de trazer à memória dos cabo-verdianos um filho desta ilha, um intelectual prestigiado do seu tempo, um estudioso e animador cultural que participou com entusiasmo na formação do Movimento Claridoso, que culminou na publicação da Revista Claridade.

Por outro lado, “In Memoriam João Lopes” constitui uma homenagem muito clarividente à memória deste homem de letras e homem do povo, e quiçá a outros nomes olvidados ou marginalizados na história da nossa literatura.
Segundo o Prof. Dr. João Lopes filho, o seu propósito, ao organizar este livro, é contribuir para tentar colmatar o esquecimento/ o silêncio que se fez impor. E fazer uma singela homenagem a João Lopes.
Minhas senhoras e meus senhores, nada mais justo e necessário!...


À semelhança das publicações anteriores como: São Nicolau de Cabo Vede – formação da Sociedade e Mudança Cultural (1996); Contribuição para o Estudo da Cultura Cabo-verdiana (1983); Cabo Verde – Apontamentos Etnográficos (1976); Estórias, estórias… Contos de Cabo Verde (1978); O Corpo e o Pão – O Vestuário e o Regime Alimentar Cabo-verdianos (1997); O Forte do Príncipe Real e a Defesa de São Nicolau (1998); Vozes da Cultura Cabo-verdiana (1998); Cabo Verde – Abolição da Escravatura (2006) entre outras, estamos neste momento a presenciar mais um dos grandes feitos do ilustre filho desta Ilha, o Prof. Dr. João Lopes Filho.


A publicação desta obra deve ser encarada como a celebração de um momento importante para a história da literatura cabo-verdiana. Pois, trata-se de um livro útil e oportuno, como todas as obras que até este momento saíram do punho do Prof. Dr. João Lopes Filho. É mais uma achega de grande valor a considerar no estudo e na periodização da literatura cabo-verdiana, para o conhecimento daquilo que, devido ao seu telurismo, passou a ser conhecido como Movimento Claridoso. Porquanto, partilhamos da opinião defendida pelo estudioso Aguiar e Silva (1997) que, passamos a citar: “um código literário não se extingue abruptamente, num determinado ano ou num determinado mês, como também não se constitui de um jacto, subitamente”.
A Claridade não nasceu de uma geração espontânea. Desde 1922 João Lopes se empenhou na sua preparação.


Esta é uma obra que chegou a tempo de evitar um crime de lesa-majestade que é o de comemorar neste ano “o centenário da Geração dos Claridosos”, desprezando o papel de João Lopes na formação e animação do Movimento Claridoso.
Devemos confessar, minhas senhoras e meus senhores, que assim que tomamos contacto com este livro, com a leitura da nota do Coordenador (autor) e do Prefácio escrito pelo Prof. Arnaldo França, intelectual cabo-verdiano, membro fundador da Revista Certeza, que aprendeu a respeitar e a admirar o Sr. João Lopes, ainda nos anos quarenta quando este voltou a fixar em S. Vicente, passamos para a Autobiografia e experimentamos um primeiro deslumbramento: Quanta informação! Quão ilustre era João Lopes!... e nós não tínhamos o conhecimento desse facto, por várias razões. Todos conhecem o papel atribuído a João Lopes pelos estudiosos da nossa literatura: o de mecenas.


Seguindo a ordem estrutural, passamos pelos testemunhos de pessoas de diferentes esferas que conviveram com João Lopes. Esses testemunhos fornecem-nos a imagem, a melhor imagem que se pode ter de um intelectual-ídolo.
Nos textos diversos, como também nas entrevistas e The Darker Brother é o próprio João Lopes quem se revela. Aí deparamos com um Antropólogo na verdadeira acepção do termo; um filósofo; um conhecedor profundo da cultura cabo-verdiana; um sujeito falante/escrevente com um domínio invulgar da língua portuguesa. Um leitor que, segundo as suas próprias palavras, “sabe ler o que lê e como deve ser lido e assimilado”. Um conjunto de qualidades humanas e “artísticas” bem patentes no seu trabalho e que todos os que com ele conviveram aclamam em uníssono.


Para fechar com chave de ouro, o Prof. Dr. João Lopes Filho, muito sabiamente, brinda-nos com algumas correspondências mantidas entre João Lopes e intelectuais espalhados por diferentes países, fazendo-nos pensar no provérbio: “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem tu és”.
Foi mais um momento de outro encanto. Quanta informação útil e variada que aqui podemos encontrar e que outros documentos mais impessoais não nos oferecem!
Se a capa já é uma obra de arte muito bem conseguida melhor ainda é o próprio livro.
Pormenores da capa - as fotos apresentam João Lopes em vários momentos da sua vida: 1.º João Lopes quando iniciou a sua colaboração na Revista; 2.º João Lopes com o desaparecimento da Claridade (1960); 3.º uma carta de Dr. Agostinho Neto, a fazer fundo, em que este pede a João Lopes lentes para os óculos dele que se quebraram; 4.º na contra capa, João Lopes na sua biblioteca… A própria cor harmoniza-se com a personalidade de João Lopes, uma vez que era um homem que não era muito dado a entrevistas, porquanto detestava o culto da personalidade.


A imagem de João Lopes segundo a imagem das testemunhas:
1. O Prof. Arnaldo França, no Prefácio ao livro, apresenta João Lopes como um dos pioneiros nos estudos da antropologia cultural cabo-verdiana:
“Há que realçar que o conteúdo da revista não se limitou à escrita poética e ficcionista, debruçando-se, outrossim, sobre outras vertentes das ciências humanas, o que os estudiosos, na generalidade, têm silenciado. Assim a publicação na página de abertura do primeiro número de motivos de batuque da ilha de S. Tiago e no segundo uma poesia em crioulo. (…) Outros textos se destacam como as tomadas de vista, de Manuel Lopes, as Notas para o estudo da linguagem das ilhas, de Baltazar Lopes, um conto popular de São Nicolau e dois textos, modestamente intitulados Apontamentos, de João Lopes.


Estes breves ensaios iniciam entre nós os estudos de antropologia cultural, posteriormente seguidos por Teixeira de Sousa e Gabriel Mariano…” (p.15)
Na pág. 18 aponta um traço psicológico de João Lopes:
“Lopes era um homem de grande abertura e não tendo eu deixado Cabo Verde, os acasos da vida proporcionaram-nos dispersos encontros no Mindelo e na Praia. Os testemunhos publicados e, de muito interesse, o epistolário que cobre noventa páginas deste volume, permitem, porém, o conhecimento da personalidade de João Lopes e da curiosidade do seu espírito.
Lembro-me que foi por seu intermédio que a nossa geração se entusiasmou com a poesia protestatária e reivindicativa de Langston Hughes.”
2. Mais à frente, é o escritor Luís Romano que nos apresenta a imagem que tem de João Lopes.
“ O mais grave padecimento de que pode sofrer um Intelectual ou artista é ser votado ao silêncio (…) Foi isso que aconteceu com João Lopes nas duas últimas décadas da sua vida – Silêncio e Dificuldades criadas num círculo fechado pelas manápulas de um Sistema Dominante.”
“Sempre ligado à Imprensa, (…) mantendo um circulo de relações literárias com importantes Homens de Letras de vários países, ao mesmo tempo que, como Mentor, indicava aos Jovens Valores Cabo-verdianos o Caminho da Libertação a seguir através da Literatura, mesmo amordaçada pela Censura envolvente.”


Muitos, neste momento, devem estar a perguntar: Mas por que é que não aconteceu o mesmo com os outros? Como veremos mais à frente, João Lopes viveu durante muito tempo (dos 16 aos 26 anos) num país onde havia a liberdade de expressão e isso interferiu na formação da sua personalidade o que fez dele um jovem mais ousado, mas de repente, em Cabo Verde, ele se vê amordaçado.
Também é provável que, neste momento, muitos estejam a pensar no poema “O único impossível” de Ovídio Martins:
 
Mordaças
a um poeta?
Loucura!
E por que não
Fechar na mão uma estrela
O universo num dedal?
Era mais fácil
Engolir o mar
Extinguir o brilho aos astros
Mordaças
A um poeta?
Absurdo! ...
 
João Lopes não era um poeta, ele era um sociólogo, um filósofo, um pensador…
Mas não nos venham dizer que Norberto Tavares já dizia, na sua composição: maro-me pé/ marro-me mon/ marro-me boca/ ma bô ka ta maro-me nha pensamento…
 João Lopes foi sobretudo um animador cultural, “um agitador das coisas do espírito”. É neste particular que faltou-lhe a liberdade de expressão.
Luís Romano ainda afirma: “Com Pedro Cardoso e Jaime de Figueiredo podemos considerar João Lopes um “Pré-claridoso” - melhor seria se fosse considerado um precursor do movimento claridoso – O primeiro traçou o caminho da Nossa Linguagem Escrita. O segundo visionou uma revista Literária genuinamente Cabo-verdiana que João Lopes apoiou para que acontecesse, após 1924, uma nova consciência literária na mentalidade dos Cabo-verdianos.
3. Os testemunhos de António Nobre Leite, Francisco Mascarenhas, José Carlos Delgado, Martinho de Mello Andrade e Viriato de Barros são coincidentes nos seus aspectos mais importantes e que devemos sintetizar no seguinte:

  • João Lopes foi um homem de vasta cultura, dotado de uma inteligência privilegiada; um autodidacta com forte preferência pela Sociologia/antropologia, tendo dado uma contribuição de inestimável valor voluntariamente e todas as vezes que foi solicitado a partilhar a sua experiência e os seus conhecimentos;
  • Foi um dos pilares sólidos da revista Claridade e do Movimento Claridoso.
  • João Lopes foi um estudioso e tinha uma biblioteca das mais bem apetrechadas de Cabo Verde.

4.    Segundo o testemunho de Francisco Mascarenhas (P.50) que passamos a citar: “João Lopes era uma cerebração profunda e muito exigente consigo próprio… impressionou-me vivamente (…) João Lopes não era apenas um erudito, possuidor de muitos conhecimentos, nas mais diversas áreas, mas, sobretudo, um pensador, uma mentalidade arguta, penetrante, insatisfeita, sempre em busca da verdade superior”
João Lopes possuía um sentido crítico e autocrítico muito agudo, o que provavelmente também lhe impediu de escrever e publicar mais “Apontamentos”. Foi um homem que ultrapassou a sua época e focou aspectos importantes a considerar: vejamos excertos, aqui e ali, da entrevista concedida ao programa antena (pp. 111, 112 e seguintes).
As Cartas!...


Entendemos que as cartas, que cobrem grande parte desta obra, têm um destinatário e esse destinatário é o próprio leitor, portanto caberá a cada um, minhas senhoras e meus senhores, desfrutar deste prazer que o Prof. Dr. João Lopes Filho nos dá ao publicá-las neste livro In Memoriam João Lopes. É que não manda a ética, que o outro, sem a permissão do destinatário, leia uma carta que a ele não foi dirigida!
Mas compete-nos realçar apenas aquilo que disse o Prof. Arnaldo França: o género epistolar que João Lopes cultivou permite ao leitor conhecer a personalidade deste homem e a curiosidade do seu espírito.
Convém dizer que In Memoriam João Lopes é um livro novo, de hoje, mas os documentos que o enformam são relativamente antigos, alguns com mais de 60 anos. E é impressionante como o autor consegue manter um certo distanciamento, deixando que os trabalhos de João Lopes, os documentos íntimos e os testemunhos de várias pessoas sejam por si sós magistralmente eloquentes.
Todavia não podemos prosseguir sem inserir João Lopes no seu contexto.


João Lopes e a sua época
Em 1910, altura em que João Lopes viu-se obrigado a suspender os estudos no Seminário-Liceu, a Ilha de São Nicolau era conhecida como a Athenas de Cabo Verde, segundo Júlio Barbosa (1959) aput (citado por) J.L. Filho (1996), dada a sua categoria no atinente à instrução. Paradoxalmente, é em 1910, com a instauração da República em Portugal e com a onda do anticlericalismo, que o desaparecimento do Seminário-Liceu começou a se desenhar. Contudo, durante muito tempo o Seminário prestou um valioso serviço a Cabo Verde, pois a partir daí saíram centenas de jovens, espalhando-se por todo o arquipélago, no funcionalismo público, outros abraçando a vida religiosa e os de mais posses seguindo para Portugal para se formarem nas universidades.
As influências do Seminário-Liceu nos indivíduos que o frequentaram foram de tamanha importância que se verificou inicialmente uma certa tendência dos cabo-verdianos para o estudo das áreas ditas clássicas em detrimento das áreas técnico-científicas. Seminário fomentou o hábito de leitura nas pessoas e João Lopes é exemplo tanto ao nível pessoal como ao nível familiar uma vez que, todas as noites, em sua casa havia serões de leitura.
A pequenez do espaço e a frequência com que as pessoas se visitavam deu lugar a uma vida cultural, de certo modo intensa, entre os intelectuais da época. E os vários periódicos que apareceram entre os fins do séc. XIX às primeiras décadas do séc. XX testemunham esse dinamismo.


Em 1894-1899 o Cónego Teixeira, autor da Cartilha, uma espécie de gramática da língua cabo-verdiana, fundou, em São Nicolau, o Almanaque Luso-Africano; a partir de 1899 surgiu a Revista de Cabo Verde, que abarcava várias áreas: social, política e cultural; em 1902 Liberdade e Opção, em 1904 o Espectro; a Voz de Cabo Verde em 1911 e o Manduco, periódico de Pedro Cardoso, em 1923.
Com a extinção do Seminário-Liceu em 1917, não tendo, porém, cessado imediatamente as suas funções, foi criado o Instituto Cabo-verdiano de Instrução, em São Nicolau e nos edifícios e propriedades do antigo Seminário. O período de funcionamento do Instituto foi curto, devido à sua extinção em1931, para o alojamento nas suas instalações, de presos políticos.


O fulcro da intelectualidade foi transferido para a Cidade do Mindelo onde passou a funcionar o Liceu laico, a partir de 1917. São Vicente, com o seu Porto Grande aberto ao contacto com o mundo, proporcionou aos jovens estudantes e aos intelectuais novas experiências, para além da maior democratização do ensino com a institucionalização do liceu independente das entidades eclesiásticas, o que foi determinante para um maior acesso à cultura dos indivíduos provenientes das camadas mais humildes.
A situação interna catastrófica (fome, emigração forçada…); as guerras; a política do Estado Novo em Portugal, são factores que terão contribuído para despertar no escritor o sentido das realidades da sua terra/ tomada de consciência das elites intelectuais.
Literariamente, estava-se em Portugal, sob o signo do Orfeu e da Presença, onde se elevavam as vozes de Fernando Pessoa, José Régio, Almada Negreiros e Sá Carneiro.
A Revista Presença não passava despercebida em Cabo Verde, pelo contrário, segundo depoimentos de João Lopes, Jaime de Figueiredo “era agente colaborador e consultado como autoridade pelos rapazes do ‘Grupo Presença’.” Queria que todos lessem e partilhassem das ideias (revolucionárias ao tempo) desta revista. João Lopes, Baltazar Lopes, Jorge Barbosa, Manuel Lopes, também conheceram a Revista Presença e ela influiu de alguma maneira no espírito e nos valores estéticos destes intelectuais. Inicialmente, a revista Presença constituiu aquilo que Manuel Lopes chamou “uma baforada de ar europeu”.


No Brasil, desde 1922, após a Semana de Arte Moderna, e sobretudo nas décadas de 30 e 40 desenvolvia o modernismo brasileiro com Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Ribeiro Couto, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade que preconizava um temário poético exclusivamente brasileiro popular e tradicional. Essa experiência dos brasileiros entrou também pelo Porto Grande.
(Este é o contexto em que João Lopes viveu.)
De onde veio João Lopes?


Breve síntese Biográfica
João Lopes dos Santos Figueiredo, membro de uma família burguesa de descendência europeia pelo lado do pai, nasceu na Vila da Ribeira Brava em 1894.
Filho de Serafim Lopes dos Santos e Ana da Encarnação Figueiredo, gozou do privilégio de uma formação intelectual ganha até aos dezasseis anos, em São Nicolau que na altura era detinha o mais alto nível de instrução.
Intelectual caracterizado pela sua originalidade e inteligência, autodidacta de formação humanística, conviveu de perto com o homem cabo-verdiano de todas as ilhas;
Possuía um alargado círculo de relações com intelectuais espalhados por diferentes países;
Conviveu com todos os elementos do grupo incubador da Revista Claridade;
Estimulou o aparecimento da Revista Claridade, inicialmente como colaborador, posteriormente como director;
Autor dos primeiros textos do domínio da sociologia e antropologia cultural em Cabo Verde, antecedeu, nessa matéria, Teixeira de Sousa, Félix Monteiro e outros;
Desempenhou o papel de mediador e conselheiro para consolidar a camaradagem necessária à vida do grupo; postura que começou a se evidenciar na sua conferências de Mindelo proferida em 1924.
Homem de grande abertura, bom sentido de humor, que inspirava a confiança da juventude, sobretudo do grupo dos finalistas do Liceu Gil Eanes que na altura criou a Revista Certeza, conforme o testemunho do Prof. Arnaldo França, que relata o episódio ligado às eleições ditas democráticas à Assembleia Nacional, marcadas pelo governo português, com o término da 2.ª guerra, em que a juventude considerava a hipótese da candidatura do Dr. Baltazar Lopes da Silva. Mas foi a João Lopes que os jovens dirigiram pedindo-lhe que transmitisse o desejo deles ao mestre Baltazar Lopes.
Por seu intermédio a geração de Certeza entusiasmou-se com a poesia protestatária e reivindicativa de Langston Hughes.

Mas qual foi o percurso de João Lopes?
Em 1908, João Lopes concluía a instrução primária na escola de Sr. Joaquim, dependente do Seminário, no Caleijão, depois de ter abandonado a escola do professor Pedro de Figueiredo, seu tio-avó, na Ribeira Brava, horrorizado com as palmatoadas. Com a conclusão do 2.º grau, matriculou-se no Seminário- Liceu como aluno externo, onde estudou durante dois anos.
Em 1910, com a morte da mãe, foi obrigado a abandonar os estudos a fim de procurar um emprego, aos dezasseis anos de idade. A solução foi a emigração para os Estados Unidos, a bordo do Navio “Willeam Groger”, propriedade do amigo da família, Zurick.
Como todos os emigrantes, os primeiros anos foram difíceis. Não sabendo falar o inglês, recorria ao francês que aprendera no Seminário. Mais tarde ele encontrou um antigo aluno do Seminário, José Lisboa, de onde nasceu uma sólida amizade, que foi o seu guia nos seus primeiros anos da América.


Guiado por José Lisboa, João Lopes lançou-se na leitura de obras dos clássicos na Biblioteca Pública de New Bedford, a qual tinha uma secção portuguesa riquíssima e selecta.
João Lopes matriculou-se em escolas nocturnas para emigrantes.


Conjuntamente com alguns amigos fundaram e lançaram o jornal O Cabo Verde (que teve vida curta). Tinha-se proclamado a República em Portugal e muitos eram os sonhos desses jovens que inclusive desejavam a autonomia das colónias que no seu entender, na altura, continuariam portuguesas.


Dominando já a língua inglesa e ansioso por um curso que lhe foi negado pelo seu pai, procurou empregos nocturnos e, frequentando escolas de dia, matriculou-se também por correspondência em La Sale Extension University Law School. Todo o dinheiro que lhe restava das despesas de propina e manutenção era para comprar livros, tantos ingleses como portugueses.
Em Fall River, João Lopes fundou o “Clube Instrutivo Português”, onde congregava toda a comunidade cabo-verdiana do sítio para ler e frequentar escolas elementares de português, francês e inglês.
Nos Estados Unidos adquiriu uma cultura em matéria jurídica e de natureza antropológica.
Já com uma dezena de anos nos Estados Unidos foi atingido pela Gripe Espanhola. Em 1920, quase às portas da morte volta para a terra Natal, via Lisboa. Ali ficou sem dinheiro porque tudo o que pode amealhar foi gasto nos livros e tratamento da gripe. Para regressar a Cabo Verde teve que contar com o apoio do pai.


A sua biblioteca chegou em São Vicente um ano mais tarde, mas teve o azar de perder uma grande quantidade dos livros que chegaram encharcados, o que lhe causou muito sofrimento. Apesar dos contratempos, mais tarde, João Lopes veria a organizar uma importante biblioteca particular das mais ricas existentes em Cabo Verde, consultada pelos estudiosos da temática cabo-verdiana.
Dois anos depois de chegar a São Vicente, em 1922, “com a febre das letras” formou o seu círculo de relações e promoveu as primeiras reuniões do “Ciclo Cultural”, um grupo da “inteligentzia local”, com o Dr. Adriano Duarte Silva, Alberto Leite, Jorge Barbosa, José Lisboa, Francisco Azevedo, e Pedro Ferreira Santos. A primeira reunião aconteceu no seu quarto em “Fonte Cónego”, onde leu uma conferência contendo as suas impressões sobre América. A segunda foi em casa do Dr. Adriano Duarte Silva e este leu uma conferência sobre os Desportos. A terceira reunião não chegou a acontecer porque João Lopes seguiu para Praia.

Na cidade da Praia publicou as conferências proferidas em São Vicente. Conviveu com Jaime de Figueiredo. Contactou com Julião Quintinha, António Pedro, jovem possuidor de doutrinas do modernismo, admirador, como Jaime, da Presença. Nessa mesma altura, conjuntamente com outros amigos organizaram um grupo de “Amigos da Cidade Velha”. Na década de 1920 João Lopes já via Cidade Velha como um “Património da Humanidade”.
Cerca de 1928/9 foi redactor do jornal Eco de Cabo Verde juntamente com Pedro Cardoso e Dr. Corsino Lopes, onde publicou os seus artigos sobre economia.
Em 1929 João Lopes editou o livro de poemas Diário de António Pedro, o primeiro trabalho sobre Cabo Verde, prenhe de folk-motives que João Lopes muito bem conhecia e defendia.
Com o regresso de Lisboa, no início da década de trinta, de Baltazar Lopes e, mais tarde, de António Aurélio Gonçalves, com a participação de João Lopes, Manuel Lopes, Jorge Barbosa, Osório de Oliveira, Pedro Corsino Azevedo e outros surgiu a revista Claridade, em Março de 1936 e que, publicado com o propósito de “fincar os pés na terra”, operou uma grande viragem na literatura cabo-verdiana. As primeiras participações de João Lopes foram como colaborador, onde publicou Apontamentos. A partir daí foi director da Revista até ao último número (1960).
Entusiasmado com a mãe terra, fixou na sua Ilha São Nicolau para consolidar a sua Herdade da Egolândia em Fajã (Pico Agudo) e adquirir terras em redor. Mas é o próprio João Lopes quem admite o cumprimento da sentença: “a agricultura é a arte de empobrecer alegremente”. Em 1943 encontra-se pobre e debilitado. Regressa a São Vicente, passando a trabalhar como agente comercial, saltando de ilha para ilha, o que contribui para o enriquecimento do seu cabedal de conhecimento sobre o homem cabo-verdiano.
Em são Vicente foi redactor de Notícias de Cabo Verde.


Com quase 60 anos adquiriu um curso de óptica-refractiva, em Espanha, o que lhe permitiu retomar as suas deslocações às ilhas, desta vez, para cuidar da saúde das populações, melhorando a vista a muita gente. Exemplo disso é a carta de Dr. Agostinho Neto, p 308. Actividade que lhe proporcionou muito prazer.


Em 6 de Novembro de1979 João Lopes falecia em Lisboa aniquilado pela doença de Parkinson que na altura não contava com os recursos medicamentosos de que actualmente se dispõe, deixando a sua valiosa biblioteca aos munícipes de São Nicolau. Este gesto, minhas senhoras e meus senhores, merecem o nosso aplauso!


Infelizmente esse acervo esteve, durante muito tempo, num estado de conservação deplorável, devido ao desinteresse de muita gente pelas letras, certos Delegados de Governo que estiveram em São Nicolau no período pós-independência. E isso é motivo de alguma mágoa e decepção. Mas graças ao saudoso João de Deus Lopes da Silva (DiDeus) foi possível salvar parte dos livros e em homenagem à memória de João Lopes o seu nome foi atribuído à Biblioteca Municipal. A Dideus a nossa homenagem!
Por direito João Lopes merece o respeito e admiração dos cabo-verdianos. Ignorar o nome deste ilustre intelectual cabo-verdiano é ignorar os momentos mais significativos da história da nossa literatura.
Bem-haja “In Memoria João Lopes”. A melhor prenda do Natal.


Parabéns ao Prof. Dr. João Lopes Filho! Que continue a iluminar-nos com a tocha da “Claridade” que recebeu do seu pai!

Mateus Monteiro,
Dezembro 2007


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Intervenção de César Augusto Monteiro, Sociólogo e Investigador, Lisboa, 02 de Outubro de 2007
 
Quando, num rasgo de deferência e simpatia, o Professor João Lopes Filho me endereçou o amável e honroso convite para proceder à apresentação pública desta sua mais recente obra ensaística intitulada Imigrantes em Terra de Emigrantes, aceitei o repto, sem qualquer hesitação, por duas ordens de razões: primeiro, pela amizade e pelo enorme respeito que me inspiram a sua sólida bagagem cultural e o seu perfil de investigador sério e empenhado e académico prestigiado, comprometido com a terra e, em especial, a simplicidade e modéstia intelectual; segundo, pela valiosa contribuição que, no domínio específico da Antropologia, tem vindo a dar o autor da apaixonante obra em análise com vista a uma maior e melhor compreensão e interpretação das dinâmicas intrínsecas ao complexificado sistema sociocultural cabo-verdiano, combinando o senso comum e o rigor. Oriundo de uma ilha marcadamente rural e agrícola, filho sanicolaense de um intelectual e um dos fundadores do prestigiado Movimento Claridoso emergido na década de 30 do século XX, que, aliás, deixa marcas profundas na cultura sincrética cabo-verdiana, Doutor em Antropologia pela Universidade Nova de Lisboa e Licenciado em Ciências Antropológicas e Etnológicas, entre outros títulos académicos que ostenta, designadamente, nas áreas das Ciências Sociais e Políticas, Administração e Engenharia Agrária, Lopes Filho é docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da prestigiada instituição universitária, tem orientado seminários em diversas universidades europeias, americanas e africanas e, com o estatuto de investigador, integra o Centro de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, o Centro de Estudos Africanos da Universidade de Lisboa, bem como o Centro de Estudos das Migrações e Relações Internacionais, da Universidade Aberta, o que confirma, à partida, a sua vasta experiência no mundo da pesquisa social.
Possuidor de uma formação académica pluridisciplinar, multifacetada e abrangente, a intervenção investigadora de João Lopes, tarefa facilitada pelo seu eclectismo teórico, aliás, bem patente no seu labor, é, ademais, amplamente sustentada pela edição de dezasseis livros e de várias dezenas de artigos da sua especialidade, publicadas em revistas culturais e científicas portuguesas, cabo-verdianas e de outros países consagrados à análise rigorosa e à interpretação da temática cabo-verdiana e cuja contribuição acrescida é de valor insofismável. Assim, numa altura em que a ciência antropológica era demasiado incipiente em Cabo Verde, precisamente no limiar da independência nacional, Lopes Filho, através dos seus primeiros estudos dados à estampa, a partir da segunda metade da década de setenta do século passado, mais precisamente em 1976, quando dava à estampa o seu livro intitulado Cabo Verde – Apontamentos Etnográficos (edição de autor), faculta à minha geração, através da escrita, instrumentos de análise e compreensão do complexificado sistema cultural arquipelar, bem como balizas e referências norteadoras da intervenção científica no domínio concreto das ciências sociais, onde se combinam, tanto quanto possível, a imparcialidade, o rigor, a abrangência empírica e o poder da lógica, tendo em mira a penetração nas chamadas “estruturas do significado”, em torno das quais indivíduos e grupos de indivíduos vivem suas vidas.


Privilegiando uma linguagem escrita, inteligível, leve, elegante, sóbria e pedagógica, associada à utilização rigorosa de categorias conceptuais, paradigmas analíticos e ferramentas antropológicas, João Lopes, observador atento e sensível da vida quotidiana, tem um sentido aguçado de ver as coisas, uma percepção fina e plural da realidade envolvente e uma enorme capacidade de se debruçar sobre os factos construídos socialmente e as diversidades, para lá de uma visão holística da sociedade diaspórica cabo-verdiana, despida de quaisquer preconceitos etnocêntricos. Ligado às principais escolas antropológicas ou a correntes de análise do Departamento de Antropologia da Universidade Nova de Lisboa, onde lecciona cursos de licenciaturas e mestrados e investiga, Lopes Filho, diga-se de passagem, mais prolífero na escrita do que na oralidade, diz-se, no entanto, não se filiar numa única escola, mas, sim, (passo a citá-lo) “aproveito aquilo que me interessa de cada uma delas nas minhas análises, sem qualquer obrigação de seguir escolas, mas antes interpretar o homem nas suas diversas vertentes, o mais completamente possível e com isenção técnico-cientificamente” (fim de citação). É, pois, neste quadro teórico que se insere a obra de 232 (duzentas e trinta e duas páginas) da lavra deste antropólogo cabo-verdiano, que traz uma sugestiva, simbólica e bem conseguida capa, pelo menos do ponto de vista estético, do prestigiado pintor cabo-verdiano, Manuel Figueira, bem como uma Introdução autorizada, mais à guisa de prefácio, da autoria da distinta Professora catedrática da Universidade Aberta, Maria Beatriz Rocha-Trindade, também Directora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais dessa mesma instituição académica e uma das mais consagradas especialistas de Sociologia das Migrações em Portugal, e quem tive o privilégio de conhecer, há já alguns anos.


Estruturado em vários ensaios inéditos, dos quais apenas dois publicados em revistas, mas que, de forma alguma, retiram coerência, sistematização e unidade à obra, Imigrantes em terra de emigrantes, suportado por uma bibliografia diversificada e consistente, referenciada em jeito de notas de rodapé, e privilegiando uma abordagem teórico-metodológica e uma estratégia ou lógica de investigação intensiva e de pendor qualitativo, baseada na análise em profundidade, o livro também se enquadra na linha de uma série de pesquisas que, nos últimos anos, têm vindo a ser levadas a cabo sobre a Diáspora cabo-verdiana, por investigadores cabo-verdianos e estrangeiros, sobretudo em renomados centros de investigação em Portugal, ou mesmo ainda no âmbito de dissertações e teses para provas nos diversos graus académicos, com o intuito, em última instância, de produzir conhecimento aprofundado e sistemático sobre a complexa realidade diaspórica. Nesta linha de pesquisa, constituem aspectos centrais e estruturantes da obra em referência editada pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, a complexidade do processo migratório; as causas da emigração cabo-verdiana; o problema do estigma; dinâmicas identitárias e a questão dos descendentes de imigrantes; o sucesso e o insucesso escolar; a preservação da cultura; o problema social do retorno do imigrante; manutenção da língua materna em contexto familiar, comunitário ou associativo; a problemática da integração dos imigrantes cabo-verdianos nos bairros lisboetas; a crise de adaptação; o reagrupamento familiar, entre outras questões de fundo bem analisadas nesta obra, ao estilo peculiar de Lopes Filho.


Em linhas gerais, os trabalhos ensaísticos são precedidos de uma concisa e “homologadora” introdução de Rocha-Trindade, cujo mérito é o de situar e enquadrar a obra do autor e, ao mesmo tempo, “produzir uma mão cheia de comentários concordantes”, chamando a atenção para algumas dimensões dos processos migratórios abordados ao longo do trabalho, nomeadamente, a complexidade da natureza da imigração em Portugal, algumas ambiguidades ou dualismos decorrente da própria condição de migrante, bem como o carácter redutor da chamada “segunda geração”, aliás, aspectos que, pela sua particular relevância, mereceram um lugar especial na obra. Depois de situar e contextualizar, devidamente, a génese da sociedade cabo-verdiana, a partir do cruzamento de sangue, do encontro, do intenso relacionamento e da interpenetração de diferentes culturas, e analisar vários factores que contribuíram sobremaneira para a sua progressiva complexificação e para a emergência de uma sociedade mestiça e insular, designadamente a sua “fortíssima identidade cultural” (a expressão é do autor), Lopes Filho passa em revista o imbricado e faseado processo de integração do imigrante cabo-verdiano em Lisboa, tendo em conta, entre outros aspectos relevantes, as principais causas dos fluxos emigratórios direccionados para este país, as condições de vida do imigrante, bem como a crise de adaptação com que se debate no dia-a-dia.


Reportando-se à primeira dimensão, ou seja, às causas que estarão na origem dos fluxos migratórios cabo-verdianos para Portugal, o autor evoca, em primeiro lugar, as de natureza essencialmente económica, associadas, como é óbvio, às de índole histórica, social, cultural e psicológica, no pressuposto de que, genericamente, as migrações resultam da combinação de factores de atracção, factores de repulsão e das decisões tomadas individualmente pelos migrantes, enquanto actores sociais. Aliás, num livro editado em 1995 pela Universidade Aberta, Rocha Trindade, que analisa a dimensão espacial e temporal das migrações, nomeadamente, as noções atinentes ao percurso migratório e à cadeia migratória, esta última elaborada de forma progressiva pela OCDE, em 1978, como um modelo de análise e como um instrumento operatório, aprofunda as teorias das migrações internacionais (clássicas e neo-clássicas), baseadas nos modelos de atracção-repulsão (push-pull model), partindo do modelo de George Ravenstein considerado, até agora, a contribuição teórica mais significativa, pelo menos neste aspecto particular. Sem, no entanto, ter a veleidade de entrar na análise de aspectos meramente teóricos ligados à Sociologia das Migrações e, muito menos, questionar a actualidade do modelo de atracção-repulsão de Ravenstein, na análise dos movimentos migratórios internacionais, pese embora as suas limitações metodológicas, importa referir que o citado modelo tem sido abundantemente utilizado nas diferentes análises das migrações cabo-verdianas, para explicar a emigração de milhares de cidadãos, à procura de uma vida melhor. Independentemente da justeza, do grau de consistência ou da fiabilidade do modelo analítico de Ravenstein, o certo é que, a partir dos inícios da década de 90 do século passado e na tentativa da compreensão das migrações, enquanto novo campo analítico, por um lado, e de se contemplar a complexidade dos fluxos contemporâneos, por outro, os novos fluxos migratórios têm vindo a ser abordados como processos transnacionais, permitindo, assim, uma abordagem que tivesse em conta as relações dos migrantes, nos países de acolhimento, com a respectiva sociedade de origem.


Se bem que não tenha utilizado a terminologia conceptual do transnacionalismo migrante, incorporada, há já alguns anos, na Sociologia das Migrações por Alejandro Portes, curiosamente por empréstimo à Antropologia americana, João Lopes Filho, que, em 1996, publicara em Lisboa, através do Ministério da Educação, a sua tese doutoral em Antropologia intitulada S. Nicolau de Cabo Verde – Formação da Sociedade e Mudança Cultural, que aborda, em pormenor e com profundidade, a sociedade cabo-verdiana e, em especial, a estrutura social e familiar da sua ilha natal, a partir de uma perspectiva sistémica que, de resto, caracteriza este estudioso, não deixa, todavia, de ter em boa conta, neste seu mais recente trabalho ensaístico, a essência do aludido modelo de análise transnacional, estabelecendo, de forma correcta, essa relação dialéctica entre a sociedade de partida do emigrante cabo-verdiano e a de estabelecimento. Mas, queira-se ou não, o maior problema que, em rigor, se coloca nas sociedades de fixação é a integração dos imigrantes, no plano social e cultural, independentemente da justeza ou coerência dos modelos de análise dos processos migratórios utilizados. Estabelecida desde finais dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, na Área Metropolitana de Lisboa, no quadro de uma política de recrutamento de mão-de-obra de carácter substitutivo do então governo colonial português, em resultado da emigração da força de trabalho local para os países da Europa central e do norte, esta comunidade, enformada a partir de fluxos ou contingentes sem qualificação escolar e profissional em torno de uma cadeia migratória, foi-se adensando, diferenciando e dispersando, do ponto de vista espacial, perdendo algumas características inicias comunitárias e convertendo-se numa significativa população imigrante descontínua, heterogénea, retraída, hierarquizada e estratificada, em termos estruturais, enformando uma pirâmide social que vai do trabalhador não qualificado da construção civil, passando pela empregada doméstica e pelo jardineiro, ao médico e às demais profissões liberais, embora mantendo, no essencial, a ligação umbilical com as ilhas, tal como atesta o livro ora em análise.


Comparada com as demais minorias étnicas fixadas em Portugal, em função de um conjunto de dimensões sociais e culturais, a “comunidade” cabo-verdiana, se se preferir, o nódulo migratório cabo-verdiano, cujo índice de comunitarização se revela significativo, é considerada, socialmente, a mais contrastante, sobretudo ao nível da composição sexual e etária, de uma estrutura de classe mais proletarizada, de maior precariedade no mercado de trabalho, da maior degradação das condições de habitação e de níveis mais elevados de concentração residencial, ainda que, nos planos cultural, religioso, linguístico, racial ou matrimonial, esses contrastes não sejam tão pronunciados. Assim, à volta desta “comunidade” silenciosa, ou pelo menos “pouco barulhenta”, portadora de uma cultura migratória, na expressão de Jorge Malheiros, e de uma identidade transnacional, ou que se vai transnacionalizando, com escassa visibilidade social, fechada sobre si mesma e virada para dentro, emergem dinâmicas interessantes e múltiplos processos sociais e culturais, alguns deles disfuncionais e conflituosos, decorrentes da sua inserção precária no dito mercado de trabalho secundário e do próprio processo de integração na sociedade portuguesa. Igualmente, marcada pela ausência de comunicação funcional e permanente entre os diversos estratos que a enformam, pela multiplicação de campos, na expressão de Bourdieu, onde, muitas vezes, se confrontam e antagonizam interesses específicos e, ainda, por uma fraca mobilidade social vertical ascendente, a população imigrante cabo-verdiana radicada na Área Metropolitana de Lisboa, que, por seu turno, ocupa, maioritariamente, os escalões inferiores da estrutura de classes portuguesa, não se encontra, actualmente, numa situação de “etnicidade forte”, à semelhança de outras minoria étnicas que se estabeleceram em Portugal.


De entre as questões de fundo abordadas, com profundidade, neste livro, quero referir-me, pela sua pertinência, ao ensaio alusivo ao estigma da faca, associado intimamente à violência simbólica e física imputada à “comunidade cabo-verdiana”, em especial em alguns bairros periféricos lisboetas, onde ela se concentra maioritariamente, na ausência de medidas de política de integração. Numa interessante abordagem metodológica da temática, João Lopes, na perspectiva da Antropologia do Simbólico, faz uma incursão, com mestria, numa área extremamente sensível como o é a violência e tenta desconstruir, à custa de argumentos lógicos e teóricos, uma representação social da comunidade cabo-verdiana em Portugal construída por uma certa alguma comunicação social com penetração em vários patamares socioculturais, na primeira metade da década de 90 do século pretérito, a partir de estereótipos e clichés, pondo, assim, a nu as fragilidades e inconsistências de uma imagem generalizada, estereotipada, negativa e perfeitamente etnicizada. Neste texto publicado no nº 3-4 da Revista Ethnologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, em Maio de 1995, e agora integralmente reproduzido neste livro, ao explicar e desmistificar o estigma, este último conceito aprofundado por Erving Goffman numa obra clássica de sociologia, associando-o a formas de violência física conseguida por via da faca (navalha, catana e faca propriamente dita), o Professor João Lopes Filho cria, no meu entender, as premissas daquilo que eu próprio apelidaria de uma “sociologia da faca”, no sentido em que, por um lado, desconstrói, em termos de análise, a imagem estereotípica de “brigão” e a figura de imigrante faquista, que, pelo menos na altura, ganhou corpo no seio de alguns sectores da sociedade portuguesa dos imigrantes cabo-verdianos, e, por outro, mostra, com alguma subtileza, como é que a manipulação da faca para usos pacíficos no dia-a-dia evolui de ferramenta de trabalho na sociedade de origem para instrumento de defesa pessoal, em contexto imigratório dominado pela marginalidade e pela precariedade.


A par da integração social e da violência, do sucesso e insucesso escolar, do associativismo imigrante, enquanto factor essencial de integração e meio de conservação e de transmissão da diversidade cultural e da problemática da ambivalência identitária dos descendentes de imigrantes, outra dimensão de análise não menos importante que mereceu a especial atenção do autor deste livro, ainda que en passant, por razões óbvias, foi precisamente a música, entendida, não na sua única dimensão redutora, estreita e meramente sonora ou musicológica propriamente dita, mas na perspectiva moderna da Etnomusicologia e da Sociologia da Música, como uma componente dinâmica, híbrida, complexa e essencial do sistema cultural e da própria estrutura social, que se renova permanentemente, enfim, um dos principais símbolos identitários da Nação cabo-verdiana e uma das mais importantes alavancas desta sociedade arquipelar, que evoca, com intensidade, memórias colectivas e individuais de um povo acossado, no passado, por estiagens e mortalidades frequentes e também marcado por uma emigração forçada para o Sul. Na verdade, mais do que uma manifestação artística, pode afirmar-se, sem sobra de dúvidas, que os ritmos e sons das ilhas afortunadas de Cabo Verde constituem, para os cabo-verdianos e respectivos descendentes, uma importantíssima vertente de afirmação e coesão identitária, sejam eles residentes no arquipélago real, ou no arquipélago migratório.


Expressa, nomeadamente, através de uma panóplia de performações, desde o batuque, o género musical mais antigo, passando pela morna, coladeira, funaná, até o colá, entre outros, com influências tanto africanas, como europeias, a verdade é que a música cabo-verdiana, enquanto sistema aberto e dinâmico que espelha, em cada momento, o pulsar da sociedade e forma um veículo significativo de construção de identidade cultural, não se confina, de modo algum, às fronteiras nacionais do arquipélago, mas, pelo contrário, sucessivamente se tem desterritorializado, reterritorializado e projectado como prática transnacional, mercê dos intensos movimentos e fluxos migratórios, cada vez maior dimensão universal, particularmente na Diáspora, onde ela está bem vincada. E é precisamente neste espaço social desterritorializado de interculturalidade e de intensas permutas culturais, prenhe de simbologia, mas também premiado de conflitos e contradições típicos do campo musical, onde se cruzam e convergem criadores, intérpretes, mediadores e consumidores, que a música cabo-verdiana se projecta, adquire o estatuto de música migrante, utilizando uma interessante expressão cara à Etnomusicologia, e afirma-se como um parceiro credível e vital para o sistema social híbrido e eclético, mas sobretudo como uma vertente essencial na preservação, retenção, valorização e modernização do fenómeno musical, através, em particular, do protagonismo da mulher intérprete cabo-verdiana em Portugal, situada no centro e na linha de combate deste processo emaranhado, cuja dimensão identitária, antropológica e simbólica não deixou, igualmente, de ter sido levado em boa conta no livro fabuloso de Lopes Filho, que acabo de ter o redobrado ensejo de apresentar a este simpático e atento público.
Imigrantes em terra de Emigrantes, uma leitura que se impõe!
Bem haja, Professor!

Postal de Lisboa, por: Otília Leitão

Poetas e cantores cabo-verdianos disseram poemas de outros autores consagrados, perante uma assistência vasta e atenta, numa introdução e fecho à apresentação de “Imigrantes em terra de Emigrantes”, o mais recente livro de João Lopes Filho, cuja craveira de académico e investigador é comparável ao historiador António Carreira. Nesta declamação evocou-se toda a essência da emigração crioula pelo mundo - um termo que, pela evolução dos conceitos, devemos gradualmente substituir por “transnacionalidade”, por se tratar de troca do trabalho entre pessoas de diferentes países.

Conhecendo-os, observei como Cabo Verde possui em Portugal destacados “Guardiões de um Templo chamado Cultura”, um dos tentáculos mais poderosos de um Povo.
Celina Pereira, José Hopffer Almada, Mito e José Eduardo Cunha trouxeram ao evento que decorreu na Casa Fernando Pessoa, numa parceria com a Embaixada de Cabo Verde, Eugénio Tavares, Osvaldo Osório, Corsino Fortes, David Hopffer Almada, Jorge Barbosa. A estes, entre outros militantes da identidade cabo-verdiana, junto outros nas artes plásticas, na música, na literatura, no discurso político ou associativo, a nível erudito ou popular que, persistentemente, explicam a língua crioula, recordam as tradições, evidenciam as desigualdades, reclamam justeza de procedimentos, mostram a história e, porque são distintos no saber-fazer, permitem-nos, a nós, aos outros, ter uma postura analítico-crítica através das prestações do conhecimento que nos oferecem, colocando ao nosso dispor um Cabo Verde inteiro.
Não podendo ser exaustiva, e pelas diferentes partículas que vão entretecendo na sociedade portuguesa, a diferentes níveis, coloco nessa minha galeria, uma miscelânea, legitimamente controversa - Alcestina Tolentino, Tito Paris, Paulino Vieira, Bana, Titina, Ana Firmino, Sara Tavares, José Luis Tavares, João César Monteiro, Maria Alice, Toy Firmino, David Lima, Kiki Lima, Celeste Correia, Lucas da Cruz, Manuel Correia, Nancy Vieira, Marcelo Évora, Martinho, Lourdes Chantre, Lígia Évora, Lalacho, Adriano Gominho, Frederico Sanches, Lura, Francisco Fragoso, Tina Santos, Carlota Barros, Vladimiro Cruz, Jorge Martins, Jorge Cardoso, Viriato Barros, Herculano Vieira, Corsino Tolentino, Rolando Semedo, Filismina Mendes, José Brito, Rui Machado, António Semedo, Manuel Chantre, Arlindo Barradas, José Afonso, Lourdes Araújo,Vladimir Brito, João Chantre, José Estêvão, Fátima Monteiro, Assunção Tavares, Eugénio de Sena, Virgílio Brandão, Joaquim Arena, Domingos Centeio, Antónia Pimentel, Paulo Mendes, Rolando Borges, Leonel Almeida, Dany Silva.


Uma lista interminável, sem esquecer alguns que deixaram o espaço terreste e outros mais discretos que vejo levantar a sua bandeira nas universidades, no desporto, nas associações, nas escolas, na gastronomia cabo-verdiana.
Quanto a João Lopes Filho, natural de S. Nicolau, doutorado em Antropologia pela Universidade Nova de Lisboa, possuidor de quatro licenciaturas e há mais de 30 anos a investigar a temática cabo-verdiana, dele falou com afecto a catedrática portuguesa da Universidade Aberta, Beatriz Rocha-Trindade, directora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais, para dizer que o autor deste décimo sétimo livro, escreve com palavras simples e claras como só os “grandes” o sabem fazer. Lembrou que foi, através de António Carreira, em almoços familiares, que ouviu falar de João Lopes e Filho e, sem o conhecer, fez dele um mito.
“É para mim um grande elogio compará-lo a António Carreira”, disse, acrescentando que o investigador “é alguém que sabe muito e é simples”, mas “há pessoas que para esconder a sua ignorância usam palavras complicadas”. César Monteiro, cabo-verdiano a preparar o seu doutoramento, e que a secundou, fez uma extensa análise do autor, do seu percurso académico e das investigações aprofundadas, considerando-o “uma referência de gerações”.
O seu livro, um registo documental notável, analisa a emigração cabo-verdiana na causa e na contextualidade de um Portugal após a descolonização. Equaciona e explica as limitações para uma integração digna e harmoniosa e aponta soluções minimizadoras dessas assimetrias, nomeadamente para as gerações mais jovens que convivem entre duas culturas.


Entre as peculiaridades, o autor adverte para o “estigma da faca”, alusivamente marcado pelos media, levando a sociedade portuguesa a associar os cabo-verdianos a uma forma de violência e qualificando-os como “faquistas” ou “brigões”. O investigador selecciona dezenas de títulos de notícias alegadamente fomentadoras desse estereótipo na comunidade - questão seguramente discutível noutro contexto - tais como: “Matou a mulher à facada”, “Agrediu à navalhada e entregou-se à polícia”, “Cabo-verdiano esfaqueado por conterrâneo”, ou “Cabo-verdiano enlouquecido anavalhou quatro pessoas”.
Apesar de todas as dificuldades de adaptação dos cabo-verdianos em Portugal, cujo fluxo prossegue contínuo, o antropologista nota que “não se registaram grandes diferenças culturais de base, devido a um passado histórico-cultural de 500 anos (...)”, os “cabo-verdianos que já estão integrados na cultura portuguesa (uma elite de funcionários, intelectuais, estudantes) fazem questão de promover e difundir a sua cultura de raiz (...) e as “Associações de cabo-verdianos têm exercido um papel importante na defesa dos valores culturais de Cabo Verde, no mundo(...)".
João Lopes Filho aborda a língua portuguesa e as limitações dela decorrentes e refere que “os jovens utilizam-na a maior parte do tempo, e quando vão para a escola travam conhecimento com jovens portugueses que também muitas vezes, acabam por dominar e falar a língua cabo-verdiana”.
O autor, a finalizar uma obra de 232 páginas, observa que a presença de uma significativa comunidade cabo-verdiana em Portugal, principalmente na zona da Grande Lisboa, “despertou a atenção de investigadores de diferentes sectores, pelo que tem sido objecto de estudo no campo das Ciências Sociais, tema de teses e dissertações para provas de graus académicos”.


Talvez por isso, acrescenta, existem disciplinas integrando alguns currícula de cursos universitários como, por exemplo, “Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa”, “Crioulos de Base Portuguesa”, “Etnologia de Cabo Verde”, assim como o mestrado em “História de África”.
O investigador, equacionando os diversos destinos da emigração cabo-verdiana e as suas consequências, caracteriza os Estados Unidos da América como um tipo de “longa duração” porque as pessoas só regressam depois da reforma. As suas influências fazem-se sentir sobretudo pelas remessas económicas. Por oposição, a emigração para S. Tomé e Príncipe terá sido negativa, porque os cabo-verdianos voltavam à sua terra sem dinheiro e carregados de doenças tropicais. Por fim, João Lopes Filho manifesta a sua convicção de que foi a emigração para a Europa “aquela que mais transformações provocou na sociedade cabo-verdiana, tanto a nível económico, como social e político”.

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Livro de João Lopes Filho resgata do esquecimento nome do pai

Mindelo – “In Memorium João Lopes” é o título do livro de João Lopes Filho, apresentado sexta-feira à noite, no Centro Cultural do Mindelo, em São Vicente, no âmbito das celebrações do dia Nacional da Cultura.

“In Memorium”, com prefácio de Arnaldo França e mais de 300 páginas, reúne uma autobiografia de João Lopes, um texto de Luís Romano, testemunhos de António Nobre Leite, Teixeira de Sousa, Viriato de Barros, José Carlos Delgado e Francisco Mascarenhas, de entre outros.

O livro de Lopes Filho apresenta ainda entrevistas que o pai do autor deu à Comunicação Social e cartas que o intelectual e último director da revista Claridade trocou com alguns dos seus colegas, como Manuel Lopes e Aurélio Gonçalves e Gerald Moser e José Lisboa.

“O mais grave padecimento de que pode sofrer um intelectual ou artista é ser votado ao silêncio, ou então a uma tácita manobra de não-existência dentro do seu próprio ambiente social”, segundo Luís Romano, está na base desta iniciativa de João Lopes Filho.

Natural de São Nicolau, João Lopes faleceu em Lisboa em 1979, aos 85 anos.

in Cabonet, 22 de Outubro de 2007