Romance

APRESENTAÇÃO DA OBRA “PERCURSOS & DESTINOS” DE JOÃO LOPES FILHO

Lançamento do livro PERCURSOS & DESTINOS de João Lopes Filho.

Biblioteca do Pólo de Mindelo do IC/Centro Cultural Português.

Começo com as palavras de Corsino Fortes inscritas na capa deste livro: A eleição do vencedor do Grande Prémio Sonangol de Literatura foi feita por unanimidade. O júri atribuiu o prémio à obra Percursos & Destinos de João Lopes Filho pela audácia, pormenor descritivo e qualidade formal com que se retratou o percurso da insularidade, processos sociais e culturais de um determinado tempo histórico da vida do povo cabo-verdiano.
Em 14 de Outubro de 2010, o anúncio deste prémio poderá ter causado alguma surpresa pois JLF é conhecido, sobretudo, como investigador e professor universitário. Não vou aqui ler o seu vasto currículo, que aliás poderão consultar na sua página da internet mas relembro que antes de obter uma licenciatura e um doutoramento em Antropologia, Lopes Filho já era licenciado em Ciências Sociais e Políticas e Engenheiro Agrário. Com toda uma vida dedicada à investigação e ao ensino não é de admirar que tenha mais de 25 obras publicadas, para além de uma série de artigos em obras coletivas, revistas e jornais. Poucas e dispersas no tempo foram as suas incursões pelos caminhos da ficção. Aconteceu com Estória, Estória… Contos Cabo-verdianos, publicado em 1978, e com duas obras de literatura infanto-juvenil Vamos Conhecer Cabo Verde e O Gatinho Medroso. (ambas publicadas em Mindelo pela Ilhéu Editora).
Percursos & Destinos recebeu um prémio literário porque é uma obra de ficção, mas, curiosamente, o júri valorizou a forma como o autor descreveu com detalhe, processos sociais e culturais de uma determinada época histórica do povo cabo-verdiano, que é, de facto, uma característica importantíssima da obra. Por isso é legítimo perguntar: que tipo de livro, afinal, o autor coloca nas nossas mãos? Estamos perante uma obra de investigação antropológica, um romance histórico, ou um romance sociológico? Estamos perante personagens ou perante histórias de vida?


Sem dúvida estamos perante uma obra de muito difícil classificação com um enredo que se desenrola num difícil equilíbrio entre a ficção e a realidade, entre a imaginação e a objectividade científica, entre técnicas de investigação e figuras de estilo, entre uma escrita científica e uma escrita literária. Este inovador, difícil e estimulante exercício de harmonizar diferentes géneros conduz a um hibridismo que é, talvez, a característica mais importante da obra.
Falo em hibridismo porque estamos perante uma mistura: mistura de linguagens, mistura de culturas, mistura de géneros. O hibridismo não é uma invenção de Lopes Filho, é uma marca do nosso tempo pois vivemos uma época em que se assiste ao desaparecimento ou pelo menos à diluição de muitas fronteiras (disciplinares, geográficas também, mas sobretudo artísticas). Mas, se olharmos para o percurso académico e pessoal do autor, este hibridismo não nos pode de forma alguma surpreender.
Relembro que JLF é antropólogo e como tal tem-se dedicado a estudar o Homem e a diversidade cultural dos povos e, como cabo-verdiano que é, antes de tudo o mais, tem sobretudo investigado os costumes, crenças, hábitos, comportamentos, folclore, rituais, crenças e mitos dos homens destas ilhas.


É também um cientista social que estuda os factos sociais, o relacionamento entre indivíduos enquanto resultado da sua vida em grupo, num determinado contexto histórico e que por isso tem também várias obras dedicadas à história de Cabo Verde.
Assim, como investigador e historiador, JLF tem analisado e descrito, de forma objetiva, o homem, a história, a sociedade e a cultura, com o rigor e a distância que são necessárias ao cientista.


Mas o “homem” não é uma entidade abstracta, o “homem” são as pessoas. Pessoas que têm sonhos, desejos, ambições, amores, alegrias e tristezas. Pessoas que foi conhecendo ao longo da vida, que o marcaram, de quem gosta, de quem não gosta. Por outro lado, não podemos esquecer que o investigador também é uma pessoa e portanto tem pontos de vista, opiniões e emoções. Mas onde cabe a voz de toda esta gente? Em comunicações científicas? Em teses? Em dissertações? Em entrevistas sim, e por isso Lopes Filho publicou Vozes da Cultura Cabo-Verdiana. Mas será isso suficiente para o homem que há mais de trinta publicou o livro de contos Estória…Estória.?


Na verdade, só a literatura enquanto arte da palavra, permite ao autor viver no mundo dos sentimentos, do onírico, da interpretação individual, da imaginação sem limites. Só num texto ficcional o autor pode recriar a realidade a partir da sua visão pessoal, com base nos seus sentimentos, pontos de vista e diferentes técnicas narrativas. O cientista fala de factos, baseia-se em documentos. O escritor pode escrever o que não aconteceu, pode dar o primeiro plano ao impossível, pode inventar à medida da sua imaginação, pode revelar empatia ou antipatia pelos seus personagens, pode misturar as suas memórias com as memórias dos outros, pode mentir.


Ora Percursos & Destinos é precisamente o resultado dessa fusão entre a observação objetiva do investigador e a paixão do investigador pelo seu objeto de estudo. É um livro entre mundos (o mundo da ciência e o mundo da ficção), com personagens que circulam entre mundos (o espaço fechado da pequena ilha e as grandes metrópoles europeias), com uma linguagem entre mundos (o espaço da linguagem literária e o da linguagem científica, o espaço do português –padrão e o espaço do português das ilhas).


É o próprio título do livro que aponta o sentido deste modelo dicotómico. Percurso, é o espaço percorrido, o caminho feito, a viagem realizada, determinada pelo lugar, época e meio em que nascemos. Coloca-nos no plano histórico dos factos acontecidos. É o que já ficou para trás. O destino é o fado, não obedece a condições materiais mas sim intangíveis. Não é traçado pela mão dos homens mas pela mão dos deuses. Remete-nos para o mundo da ficção, para um futuro incerto que ainda nada é.


O escritor japonês Haruki Murakami sintetizou de forma brilhante esta oposição: “a nossa existência – escreveu ele -  é uma sucessão de instantes passageiros aprisionados entre o “tudo” que ficou para trás e o “nada” que temos pela frente.
Gostaria ainda de me demorar um pouco mais no título, mais exactamente no uso do plural. Tal facto, exclui à partida, a ideia de uma narrativa à volta de um herói, uma personagem principal, que se destaca pela singularidade do seu percurso ou excecional destino, de todas as outras personagens, que seriam então menores, secundárias. Ora tal não acontece nesta obra. Embora a intriga ficcional se centre na relação de duas personagens:  Bilunka e Djonsa, esta é uma história plural, é a história de muitas pessoas.  Algumas, ou muitas, serão reais,  e não sei se aparecem com o nome verdadeiro ou com nome inventado (lembro-me de já ter ouvido falar de um capitão que em tempo de fome e carestia, salvou muitas vidas, mas a minha falta de memória não me permite afirmar se se chamava Nhô Junzim Capton, como aparece na obra).  Mas isto não tem importância, é uma questão de curiosidade pessoal, pois como todos sabemos as pessoas criadas pelos escritores são personagens que, embora inventadas, têm normalmente características que refletem pessoas reais. O que interessa é que esta é sobretudo a história de um povo onde o individual não se dilui no colectivo, e onde o colectivo não abafa o indivíduo. A história de um povo que tem que “gerir a realidade sem deixar de perseguir a utopia”, como escreve JLF.


E porque são muitas as vozes que se fazem ouvir, elas têm uma linguagem própria. Temos as vozes das personagens, homens e mulheres das ilhas mas temos também as vozes que nos chegam de todo o mundo. JLF faz nesta obra, dezenas de citações, que aparecem não como um corpo estranho, ou pelo menos distante como uma epígrafe, mas integradas no texto, normalmente a fechar um capítulo (p.51). É uma forma pouco habitual de o fazer e gostaria de ouvir a opinião do autor sobre isso.


Sendo uma obra escrita em português, com uma linguagem literária de grande correcção formal, o crioulo não está e acho que nem podia estar ausente. Às vezes surge de repente,  assim como algo que não pode ser reprimido, seja em momentos de grande emoção (p.218) seja em momentos de respeitável gata (p. 40) mas sobretudo  aparece em vocábulos que verdadeiramente não têm tradução fiel ou que perderiam a sua força metafórica. E refiro-me a palavras como escopeta ou expressões como sol cascado, casa de gente, homem grande….
Há também que referir uma outra característica da obra: as diferentes tonalidades da linguagem utilizada: ás vezes poética, aliás, muitas vezes poética, pelo menos sempre que fala da paisagem da sua ilha, lírica quando fala das suas gentes, e outras vezes neutra, quando o investigador se sobrepõe ao narrador e descreve  os hábitos e costumes do povo cabo-verdiano.


Estes percursos e destinos movem-se em espaços distintos: o espaço da ilha - que nunca não é nomeada -  e o espaço da emigração. Poderíamos mesmo classificá-lo como um romance de emigração e seria até muito interessante analisar as diferenças que apresenta relativamente a clássicos da história literária cabo-verdiana que abordam essa mesma temática. Será a emigração uma espécie de destino que se abate sobre os cabo-verdianos? Ou será uma escolha?  Uma escolha que traça um percurso que conduz à felicidade  ou uma condenação ao inferno? Mas isto seria pano para as mangas de uma outra apresentação que já não cabe aqui.


Apresentação de Ana Cordeiro, Mindelo, 7 de Dezembro de 2012

 

Destinos opostos

É com muito prazer que aceitámos o convite para apresentar uma leitura da obra Percursos & Destinos, do autor João Lopes filho, no âmbito das comemorações de 10 de Junho e enquadrado nas actividades do Curso Estudos Cabo-verdianos e Portugueses intituladas Junho, mês dos autores da lusofonia.
Confessamos que esta é uma experiência nova e por isso, antecipamos um pedido de desculpas pelas falhas que eventualmente possamos estar a cometer.

Gostaríamos de partilhar convosco algumas impressões que se nos foram formulando enquanto degustávamos a leitura desta obra, por sugestão e indicação da professora Fátima Fernandes e por curiosidade quanto à figura e obra do autor João Lopes Filho, por este ser professor desta universidade e ao mesmo tempo uma figura pública muito conhecida pelo seu contributo enquanto investigador no domínio da Cultura Cabo verdiana.
João Lopes filho, oriundo da ilha de são Nicolau, filho do poeta e pedagogo João Lopes, é antropólogo, docente universitário e investigador do centro de estudos Africanos da universidade de Lisboa. O autor é também engenheiro agrário.
Ele tem muitas obras publicadas, entre elas várias de investigação sobre a sociedade cabo verdiana. Nas suas obras o autor usa o pseudónimo Osajyefo Moisés.

Esta obra, apresentada ao público da Praia no passado mês de Outubro, possui algumas marcas interessantes para se fazer uma análise, embora modesta, de questões que nos pareceram pertinentes e reveladoras de uma forma de escrever muito particular.

Trata-se de um romance, de dimensão média, de trezentos e vinte e três páginas que nos conta, numa primeira análise, a história de Djonsa e Bilunka, duas personagens que vêem os seus percursos entrelaçados, no âmbito da emigração e que acabam por viver uma intensa relação amorosa. Mas, se num primeiro momento, os seus destinos se cruzaram, mais tarde os seus percursos os levaram por caminhos diferentes.

Assim, podemos dividir Percursos e Destinos em três partes, em que na primeira encontramos os protagonistas vivendo vidas separadas, na segunda parte, os mesmos são unidos pelos seus percursos em comum, e na terceira são separados pelo destino fazendo com que seguem percursos diferentes.

Quanto à análise da obra, achámos que o seu carácter descritivo poderá ser um ponto de partida interessante para a sua distinção. Queremos dizer que há uma descrição pormenorizada dos lugares e das personagens. Essas descrições são feitas com base em informações de carácter cultural, geográfico e histórico, com a intenção de valorizar a cultura cabo verdiana, e discorrer sobre o tema da emigração que faz parte do dia-a-dia do cabo-verdiano, afastando ou unindo os percursos e destinos desse povo. Como por exemplo, no primeiro capítulo, página nove encontramos a seguinte passagem em que Bilunka conversava com algumas amigas. (Ler…)
Neste excerto, o narrador traça as pernas esculturais, que a minissaia generosa deixa por inteiro a descoberto e, num gesto felino, atira a cabeça para trás, sacudindo os cabelos negros, que lhe caem pelos ombros, deixando assomar nos lábios carnudos aquele sorriso ao mesmo tempo ingénuo e sensual. Tal nos convida a imaginar a figura de Bilunka, construindo a sua imagem na nossa mente, só através  dessa pormenorizada descrição.
O autor faz uso da narrativa para tratar dos costumes, tradições e da própria história de Cabo Verde. Por exemplo no segundo capítulo, página dezanove, em que diz :
“Os festejos carnavalescos vinham sendo realizados há uns bons anos e os respectivos desfiles constituíam uma tradição, tanto mais que a população já contava com eles anualmente”, “Todavia, as mudanças político–administrativas pós– independência nacional, deram lugar a alguma instabilidade social, dado que, no princípio, não havia consenso sobre o modo de proceder relativamente a determinadas situações que vinham do período anterior”.

Igualmente, encontramos o relato pormenorizado do percurso das personagens, principalmente dos protagonistas e mais tarde também relata o destino de Djonsa e Bilunka.
Estas duas personagens merecem uma atenção especial porque ambas embarcam para o estrangeiro à procura de melhores condições de vida e se apaixonem loucamente.
Quando regressam a Cabo Verde e decidem consagrar a união pelo matrimónio do casamento, começam a sofrer com as intrigas do povo, que sempre acrescenta vários pontos num simples conto. Assim, Bilunka acreditada pelo povo da traição de Djonsa, resolve partir para a Itália e deixar que o destino decide a sua trajectória de vida.
Por razões de tempo, não nos permitimos alongar, porém importa reflectir um pouco sobre o título desta obra, ao qual não ficámos indiferentes. Na verdade consideramos que o título Destinos & percursos, combina com o desfecho da obra, pois discorre sobre o percurso de vida das personagens, com destaque aos protagonistas, que num determinado momento são unidos pelos seus percursos de vida e que mais tarde são separados pelos seus destinos.
Enfim, concluímos que estes destinos não envolvem uma relação amorosa feliz, mas sim a separação de duas pessoas que se amam, tendo os destinos deles seguido rumos diferentes. Com isso, o autor talvez nos queira mostrar que nem sempre as histórias de amor acabam da melhor forma. Que duas pessoas podem amar-se eternamente sem estarem juntas, porque a vida os obrigou a seguirem caminhos diferentes.

Também na narração encontramos um aspecto muito importante da Cultura Cabo-verdiana que é a emigração, em que alguns personagens incluindo os protagonistas,  vão para o estrangeiro à procura de novas condições de vida.
Lembramos que este tema da emigração vem sendo um tema extremamente persistente na literatura cabo verdiana, desde os primórdios com Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, Januário leite, entre muitos outros. (preciso de uma dica de como continuar aqui).

Minhas senhoras e meus senhores ao terminar esta leitura, permita-nos dizer que esta obra é sem dúvida uma das melhores obras cabo-verdianas do ano de 2011, com a sua perfeição em termos literários, estéticos e culturais.

Deixamos aqui a nossa recomendação para a leitura desta fascinante obra.

Muito obrigada pela vossa atenção!!!


Apresentação da Irina Lopes, Universidade de Cabo Verde, Campus Palmarejo, 11 de Junho 2012

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PREÂMBULO
Osvaldo Azevedo falou-me uma vez de sua pouca apetência pela apresentação de livros.
Se não me engano tem a ver com o facto de:
1. Normalmente os apresentadores se preocuparem mais consigo do que com a obra e respectivo autor; Exibem-se, falam de si…
2. Haver muita hipocrisia nesse acto; Mesmo ante obras menos conseguidas, até ruins, a regra é gabar, enaltecer, aplaudir, exaltar. Jamais se escutam críticas, ou observações-apreciações negativas. A isso se chama hipocrisia.

Eu não tinha dívida de que vindo de João Lopes Filho, tendo a obra ganho um prémio internacional por unanimidade do Júri, tinha de ser obrigatoriamente um trabalho extraordinário. A curiosidade estava em conhecer o conteúdo a temática, e conhecer o lado “ficcional” e “romanceiro” de João Lopes, que conhecemos de outra escrita.
Ainda no aeroporto da Praia, para matar o tempo resultante de mais um atraso da nossa bendita TACV, pus-me a ler a obra. Findo os dois primeiros capítulos, peguei no telefone para cumprimentar o doutor João Lopes Filho e agradecer-lhe por me ter resolvido parte de uma grande angústia que carrego no peito.
LOGO, AO ACEITAR O CONVITE PARA FAZER A APRESENTAÇÃO
FI-LO NA CONVICÇÃO DE DIZER O QUE ME IA NA ALMA.
 
(Já lá iremos)

Julgo não estar a exagerar se afirmar que nenhuma das ilhas deu mais para a cultura deste país, que a de São Nicolau. Eu disse, “DEU”, com verbo conjugado no passado.
De facto, ultrapassado o período da “Nobreza de São Nicolau” de “Berço da intelectualidade”, registo com orgulho que ainda há quem nos proporciona o garbo, e nos faz orgulhar de ser Patchê.
Senhoras e Senhores, São Nicolau tem a honra de receber, um dos maiores investigadores (de Cabo Verde e em Portugal), porventura um filho desta terra. – O PROFESOR DOUTOR JOÃO LOPES FILHO.
(…)
A história de um povo faz-se também pela fixação de sua memória e da sua identidade. A literatura entre outras formas de arte presta-se a isso; Explícita ou ficcionada, compete também aos que se dedicam à escrita, registar, para preservar e perpetuar, aspectos relevantes da vida de um povo.
No Cabo Verde moderno, passada que foi a leva dos grandes ficcionistas - Baltazar Lopes, Aurélio Gonçalves, Manuel Lopes, Teixeira de Sousa, que trataram temas como a seca, carestia e fomes, denunciaram o colonialismo, trouxeram para a ribalta a discussão da Cabo-verdianidade, propuseram o fincar os pés na terra, o fenómeno da emigração, o desejo de partir e querer ficar. Considero ter havido descaso para com outras temáticas relevantes, que vieram e passaram sem merecerem o devido tratamento literário.
A emigração foi tratada quando ela de algum modo iniciava. Todavia ela cresceu se fortificou. Cabo-verdianos embarcaram para as quatro partidas do mundo, viveram, morreram, vieram, regressaram, fixaram-se por lá, e nunca mais ninguém os viu.
Com efeito, Chiquinho partiu da Preguiça, para depois de se livrar da ponta de Pataca, contornar Tarrafal, alcançou o ilhéu de boi, partiu mar adentro, rumo a América.
Em Chuva Braba, Mané Quim rumou para Sul, rumo a Brasil …
Teixeira de Sousa quedou-se pelo vai-vém de veleiros em Mares de Túrbidas Vagas e outras publicações.
Tema pertinente, muito bem tratado e fixado para a posteridade porém do olhar longínquo da hora-di-bai, partida separação…
Há anos convivemos com o fenómeno social em que se tornou o “Caminho de Volta”, sem que tivéssemos debruçado sobre a análise cuidada do que por lá se passou, nem demos trela às circunstâncias de regressos – bem de vida, gordas reformas, um pé-de-meia para velhice. Privilégio que nem todos tiveram. Há os que nem a um regresso digno tiveram direito. Foram mandados embora, deportados, desgraçados, escorraçados de um mundo que julgavam ser seus.
Apraz registar, que foi pela pena de um Sanicolaense (Baltasar Lopes) que Chico Chico Zépa em Chiquinho, revolta-se e desce Ribeira de Caixa abaixo, a comandar uma revolta contra o abandono e a fome a que o povo havia sido votado.
Foi com o amparo de um jurista Sanicolaense que Capitão Ambrósio, capitaneou a célebre revolta de Mindelo, que outro Sanicolaense (Gabriel Mariano) cantou em poema.
Outros detiveram-se a defender e a promover a Cabo-verdianidade e a “Criolidade”, fenómemo de que Cabo-verde foi o primeiro exportador, a exortar à “fincar dos pés na terra” …
MAIS UMA VEZ, UM SANICOLAENSE DE QUEM TEMOS MOTIVOS PARA NOS ORGULHARMOS, DE QUEM APENAS CONHECIAMOS O LADO DE INVESTIGADOR, FAZ UMA INCURSÃO EXTRAORDINÁRIA PELA FICÇÃO, SERVINDO-SE DE UM ROMANCE, PARA RETOMAR “TEMÁTICAS”, POR DEMAIS PERTINENTES, OU NÃO TIVESSEM MARCADO E DE QUE MANEIRA, A VIVÊNCIA CABO-VERDIANA DO “NOSSO TEMPO” e que por alguma razão, não têm sido objecto de tratamento literário, eventualmente tidos como TEMAS-TABUS, por isso negligenciados, quem sabe, deliberadamente renegados, não obstante a sua importância para a compreensão do Cabo-verde que hoje vivemos.
•    O regime de partido-único - Análise sócio-política, do período pós-independência;
•    A tentativa de instauração da reforma-agrária;
•    A reforma do Ordenamento Jurídico Cabo-verdiano;
•    A emigração no presente;
•    A degradação da Aristocracia que reinou pelas vilas dos vales de Cabo Verde;
•    A estigmatização das classes dominantes - A vida nhanida de gente miserável, mas digna, refém das boas-graças de uma classe que se achava dominante, como também de dirigentes déspotas;
Sobre as duas primeiras temáticas, soube que recentemente o Dr. Hopfer Almada, ele que foi actor, acaba de editar um livro reportando a aspectos desconhecidos desse período.
A mim em sabe bem, espero tenhamos a altivez de nos despirmos de preconceitos e saibamos interiorizar e reflectir sobre esses conteúdos que julgo tratados com elevação, sem presunção – julgo, ser mister saber o que merece ser conhecido.
Eu mesmo, ainda que timidamente, terei feito uma incursão por essas bandas, felizmente tive o prazer de escutar da boca de um protagonista, como a necessária e desejável abertura de espírito, o acolhimento pacífico dessas questões, através das seguintes palavras - Cito:
“  Estes factos estão ardilosa e singelamente evidenciados na descrição que faz, … dentre outros não menos interessantes, com relatos harmoniosos e destramente concebidos: .… Os imbróglios ocorridos por altura da ascensão de Cabo Verde à Independência Nacional em 1975, as confusões sobre o processo da Reforma Agrária, etc., etc”.

Porque literatura é arte é ficção, não tem um destinatário identificado, por isso mesmo ninguém tem o direito de servir-se de eventuais chapéus. Por isso mesmo, despir de preconceitos e tratar temáticas que têm de ser tratadas, fixar o que convier da nossa história, para compreendermos a nós próprios de onde viemos, e assim, melhor projectar o nosso futuro.
Eis que Professor doutor João Lopes, descomplexadamente faz uma incursão pela nossa história recente, particularmente de:
PÓS-INDEPENDÊNCIA
Numa exposição muito bem urdida, Bilunka regressada da Itália, em gozo de férias, acompanha-nos nessa viagem aos anos e ocorrências que se seguiram à independência nacional.
Um chefe de partido déspota, Intolerante, arrogante, desconfiado até do carnaval … Os excessos, …

MANIFESTAÇÕES CULTURAIS, MITOS E CRENÇAS – o autor aproveita a deixa de Bilunka, para fazer-nos revisitar o carnaval e ver de pontos de vistas socio-antropologico uma das mais bem conservadas manifestações Culturais destas ilhas, com fortíssima implantação em São Nicolau – O carnaval:
1.    Da fuga às regras do quotidiano
2.    Provocação, apelo ao erotismo e exteriorização da libido, emergência de actos de sedução;
3.    Aceitação dos “excessos”;
4.    Momentânea desestruturação social;
5.    Permissão e escárnio e maldizer, porque “é carnaval e ninguém leva a mal”

ORDENAMENTO JURÍDICA NACIONAL – Hoje tida como moderna, não foi sempre assim…
Houve momentos de má memória, perfeitamente satirizada no livro a “A outra face da lei” de José Maria Ramos de Caleijão.
A tentativa de introdução de pretensas inovações no ordenamento jurídica Cabo-Verdeano – tribunal popular, medida porventura sensata, que todavia fracassou em decorrência da excessiva politização.
Cap. IV
É-nos proporcionado uma incursão à infância da menina-moça que foi Bilunka, que conhecemos já mulher feita no carnaval;
Ao antes de partir, ao momento da verdade, de conflito – de querer ficar, apegada a laços sociais complexos que se tecem nas sociedades isoladas, ou ilhadas…
… Ao mesmo tempo seduzida pelo chamamento, o desejo de evasão, sempre presente no imaginário ilhéu …
A chegada da “carta de chamada” e a solidariedade presente no mundo de então – uma mão sempre disposta a ajudar a outra. Nhô Clatanoz, como muitos que estas ilhas conheceu,  a alma-boa, disposta para ajudar a superar as barreiras impostas pelo regime colonial, escrupulosamente postas em pratica por um Administrador, todo-poderoso, encarregue de chefiar o rebanho de cidadãos de 2.ª.
Pela leitura nos apercebemos da dor de quem ficou, de (…)
Alguém que partiu
A lembrança daquela voz
Que ficara na última casa da aldeia
Que queimava o peito na ressaca do vento …

Cap. V
Enfim a terra-longe, o esvaecer da miragem que julgava ser o admirável mundo novo, em meio ao turbilhão do qual se vê lançada;
Temos a oportunidade de regressar a aspectos sociais reais, vividos num certo momento numa povoação; a perfeita descrição do drama da decadência da aristocracia que reinou. Também cá entre portas na nossa terra São Nicolau, tema aliás satirizado por Gualberto do Rosário em Horas Minguadas…
De facto, habituados à literatura científica do professor doutor João Lopes Filho, nos domínios de sua especialidade, não podemos deixar de registar a nossa surpresa, pela tão bem conseguida incursão por este género narrativo na modalidade de Romance. Completo, com tempo, espaço e personagens bem definidos de carácter verosímil.
Dissemos personagens bem definidos. Ficamos a conhecer Bilunka, mas há Nhô Robeto, há o pai dele, a família “Dacosta” …
Família “Dacosta”, família “Dacosta” …
Símbolo da aristocracia, em decadência, não obstante ostentar mobília importada, tapetes em chão de mogno, filhos a estudar no exterior, que tem nos jardins bancos de pedra do reino, mesmo perante a desgraça que se abateu sobre a família, ante a mesma doença-fraca que lhe matou Ritinha na flor da idade, não se coíbe de sugar o tutano que sobrou de uma família humilde, a braços com o dinheirinho para a passagem da filha. A mesma canalhice, o mesmo vício de agiotagem para emprestar dinheiro.
E Bilunka se vai, levando junto seus medos e fantasmas, para um arealidade que nada tem a ver com o mundo que conhece;
Defeito ou vício ao autor, presenteia-nos ao longo da obra, com profundas analises sócio-antropológias do fenómeno que é a emigração.
É assim que Bilunka se detém a remorar estórias e gentes que povoaram a sua infância e as infâncias de todos nós; Quem carrega no seu imaginária um Kia, Zé Pacófia, Nhô Padja, Fidjinha-Jata, Gil Capa Porca, Pede Dad di Luz?
Bilunka levou os seus consigo para Itália: “Nhô Neco (arauto)”, “Jaco Tchela”, “6.ª Feira treze”, Fininha de Mariana (…)
Tem também “Nhô Ambroze” – este especial; Com suas formas de desenrascanço, esforços multiplicados por dez para se safar, todavia vencido, remetido par ao lugar de pária da sociedade, depois de se ver consumido pelo álcool, e ver seus sonhos rachados pela vida.
Djô Canela esmagado pelo desgosto do abandono que há muitos anos PEDRO CORSINO D’AZEVEDO cantou: “ABANDONO”
Lembranças que perseguem Bilunka, que da pasmaceira rural se vê lançada no turbilhão do mundo moderno onde, sufocada pela ausência da âncora afectiva, se sente uma estranha na multidão.
Felizmente a determinação do Cabo-verdiano é algo que merece ser estudado, permitem-lhe aprender cedo o caminho da Central Station, onde reencontra partes de si - Nas amizades,  no papear crioulo, na música da terra, nas notícias que vêm de longe… e porque não nas riolas?   
Parcialmente reencontrada, persegue com determinação o seu sonho de ser “alguém na vida”. E consegue como muitas conseguiram…Bilunka humilde, filha de gente nhanida, modelo na Itália.
Sucesso, resultado da determinação, da coragem, que outras Bilunkas tiveram, no jornalismo, na Psico-pedagogia, Sociologia, …
O autor remete-te nos de novo para o caminho do mar, desta vez para Holanda, destino de muitos conterrâneos nossos; Djonsa é nosso guia.
Mais um que seduzido pelo eterno desejo de evasão do Cabo-verdiano, filho de gente remediada, larga mão do emprego público, se sujeitar ao destino (???), motivado por Nhô Noche.
Leva na alma a revolta pelo abandono, carrega consigo recordações os tempos de má-memória que, rejubila-se com o exemplo de Nhô Junzim Capton, generoso e solidário …
E somos convidados de Djonsa, na apreciar o que é de verdade a vida do emigrante…
Pisado, mas jamais esmagado, na rijeza da cépa Cabo-verdiana.  
Sáfa-se é bem sucedido, o destino leva-o a Itália onde conhece Bilunka. Nasce a paixão.

Uma nota ao modo subtil como o autor trata o erotismo, a sensualidade, a volúpia, cenas de carnalidade … de modo tão suave, incapaz de escandalizar, mesmo os mais pudorentos.  

Quais criminosos que regressam ao lugar do crime …
Desapontado Djonsa reencontra a ilha que deixara, qual navio encalhado - ainda no abandonada…

Tem pressa em reencontrar-se. Precisa achar o Djonsa do Povoado, o verdadeiro, para se livrar-se do Djonsa em que teve de se tornar na terra dos outros.  E encontra-o:
Na serenata de acordeon que poderia ser de Hermano de Nhâ Marê fina de Passagem, se bem que o administrador corta-lhe o barato, interrompendo a serenata. ENTRE AS PAREDES DA CASA DA FAMÍLIA EM TERRAS-ALTAS. É lá que encontra a paz, o sossego que nunca teve em terra longe.

O desejo de fincar de vez os pés na terra. CASAR COM BILUNKA, CONSTRUIR A CASA, ENRAIZAR E FLORESCER. Na terra que é dele por herança, de onde é.

FARTEI-ME DE RIR, NÃO DA DECISÃO DE CASAR DE DJONSA, MAS DO DESVELO DO PROFESSOR ANDRADE, na preparação para o pedido de casamento, a ponto de seus escassos cabelos, quase ficarem todos no pente, de tanto se esforçar por domesticar alguns fios desobedientes.  
Depois de anos, Djonsa não esperava encontrar as mesmas manias de riola, má língua, calúnia e maldizer, que empurra o casamento dele com Bilunka e eles próprios para o lamaçal da intriga, fla-fla…
E mais uma vez, o autor propõe-nos uma incursão pelas crenças, hábitos e costumes da terra, com Bilunka, rumo à casa do cangerista para desfazer o feitiço, armado por Biota.
Carta, tarot, lunário perpétuo, astros, tudo e todos contra Bilunka.
E o casamento de Bilunka  foi por água abaixo
EMPREEDNDER DE NOVO O CAMINHO DE VOLTA, PARA O LUGAR QUE JULGAVA TER DEIXADO.
•    Sina?
•    Feitiço de Biota que resultou? Ela ficou com Djonsa?
•    Riola das má-línguas carambolentas do Povoado?
•    Ou simplesmente o destino com que a criatura nasce? Quem sabe Bilunka e Djonsa não foram feitos um pró outro !


Percursos & Destinos, a história de um Povoado contada por João Lopes Filho através do somatório das estórias de vidas vividas distintas, errantes, sujeitas a desencontros, partidas separação.

ANTES DE TERMINAR DOIS PEDIDOS, ALIÁS TRÊS AO PROFESSOR JOÃO LOPES
1.    Não tenho dúvida, esta edição vai se esgotar logo logo. Na próxima tente que a letra seja um poucochinho maior. O tamanho reduzido das letras pode constituir um bom pretexto para justificar a calaceiria de ler, uma doença que grassa no nosso meio.
2.    Depois de escrever “Chiquinho”, o ex-libiris da literatura Cabo-verdiana, Baltasar Lopes deixou-nos com água na boca; Compreendemos o quanto difícil pode ser vencer a ansiedade, o risco de não se poder superar após um grande sucesso. Por favor não pare.
3.    Professor João Lopes Cita Virgínia Woolf, que diz que “nada acontece até ser contado”. Conta-nos mais, faça as coisas acontecerem nesta terra. Dito de outra forma, não nos abandone enquanto estudioso e resgatador - ressuscitador (essas palavras existem) … do São Nicolau profundo, desconhecido da maioria, que poucos conhecem de verdade. Continue a auxiliar na compreensão desta terra àqueles a que vêm de forma estrábica e enviesada.
Matéria não há-de faltar, há muito da nossa identidade, legado histórico para ser contado, e julgamos-lhe com competência para se superar;
Quem tem menos de 20 – 22 anos, penas escuta rumores de uma tentativa de instauração da reforma agrária;
A ideia que se tem hoje é que o processo da independência de Cabo Verde foi pacífico, que todos estavam de acordo. Poucos sabem que havia muito boa gente contra. Que cá mesmo em São Nicolau, a UPIC fez das suas.
Nossa história precisa ser contada por inteira;
Não com o fel com que ONÉSSIMO SILVEIRA derramou “TORTURA EM NOME DE PARTIDO ÚNICO”, ou CALDEIRA MARQUES escreveu “ OS BAZÓFIOS DA INDEPENDÊNCIA”.
Com realismo, mas sem ódio, sem paixões, duma perspectiva pedagógica, de informação e formação, até, e se quisermos, de reconciliação com a nossa história, para possamos seguir construindo com firmeza o nosso futuro, conhecendo:
•    De onde viemos;
•    Os caminhos que trilhamos;
•    Como fizemos para chegar aonde nos encontramos.

Importa resgatar e valorização o espólio cultural da ilha que o viu nascer, pela via do qual, São Nicolau poderá assentar ainda que um dos pilares de seu desenvolvimento, reconhecido que está a contribuição da industria do turismo ao processo de desenvolvimento.

CONCLUINDO:
Peço autorização ao doutor João Lopes para fazer da ilha de São Nicolau o cenário de narrativa contida em “PERCURSOS & DESTINOS”, para,
Com permissão do nosso conterrâneo, escritor e Combatente da liberdade da Pátria, Major Osvaldo Aranta Azevedo, cuja presença nos honra, fazer uso de palavras suas, para encerrar esta apresentação, que espero não ter defraudado o autor desta obra monumental  
(…)
São Nicolau, terra de capitães de veleiros;
Sedenta de mais vento, de mais mar, de mais sonhos;
Um dia se desembaraçará da calema;
Para isso, é necessário que cada um de nós se faça marinheiro ousado;
E se entregue de corpo e alma às tarefas que a faina exige;
Então, não existirão portos impossíveis de alcançar.


José J. Cabral, Ribeira Brava, 29 de Julho de 2011

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João Lopes Filho : Percursos & Destinos

O advento   de  mais  uma  obra   que  se  oferece   ao  público-leitor  para  deleite, conhecimento ou descoberta de seu conteúdo, mais um enredo  ou registos originais, pode permitir-se, num  momento como  este, a uma variedade  de sensações, que  aumentam  e reforçam o sentido de responsabilidade de quem, como os presentes nesta mesa, assume o prazer  dessa descoberta  primeira, na  partilha   das impressões  que  a leitura   virgem  lhe proporcionou.
"Diz a tradição que a sorte está escrita nos astros e que a esperança é a última coisa a

morrer, mas ninguém  é obrigado  a jogar sempre  a carta que recebeu  ao nascer, porque

pode tentar  descartar  o azar e receber  a sorte, inclusive  blefando para enganar as coisas ruins..."(p.315): assim reza o instante final deste romance que nos encantou na leitura iniciada como que ao avesso, pois do fim para o princípio, o fomos descobrindo nas páginas com que se foram desenhando os percursos de vida de homens e mulheres; de jovens inexperientes e sedentos do desejo de dar liberdade à curiosidade de experimentar os resultados do jogar a carta no baralho das suas vidas, de velhos prontos a observar, avaliar as escolhas feitas pelos jogadores menos astutos, nas suas imprudências e aventuras; um com lições de vida para ensinar, sábios nos olhares com que perscrutam a impetuosidade dos inocentes, porém apaixonados pela vida; outros avarentos no rigor das suas avaliações e aparentemente maldosos nas posturas premeditadas com que sentem prazerem no falhanço daqueles.

Desta vez, felicitando o autor por mais este dado lançado não no jogo da sorte mas na cronologia histórica da Literatura caboverdiana, o conhecido e não carente de apresentação João Lopes Filho, se evidencia na aventura mais subjetiva da sua carreira de contista, investigador, antropólogo, professor universitário e homem com experiências para partilhar, não fosse ele descendente da casta de homens talentosos que na história passada nos brindaram com a imortalidade das suas palavras sempre presentes.  
A aventura da escrita literária se faz presente neste espaço de convívio e admiração mútuos através de Percursos & Destinos, romance em três partes, onde o mote da trama  literária  são retratos de percursos de vida que se conduzem, se deixam conduzir  e/ou ainda se arriscam nos episódios culturais, sociais e políticos, que dignificam  a representa ao de personagens-homens que não só dividem  com o leitor  essa mágica experiência de serem figuras de papel em personnae como nos convidam  a participar  dessa festa onde a nossa atenção, as nossas inquietações e sensibilidades  e a identificação com tais percursos se confundem  na páginas do tempo  e nos tempos  de uma História que nos toca, levando-nos  ao encontro  inicial dos preparativos do Carnaval enquanto festa de prazeres, de gastos e de tradições que se retomam; das injustiças sociais e politiquices em cenário de terras pequenas onde cada um sabe de si e dos outros, todos sabem do que deviam e não deviam saber, enfim de Biluka, de Girone, de Bidol, Bia Joana, Picarone, Fininha de Nha Mariana, Djonsa e tantos outros.
Falamos de destinos que ora se cruzam, ora se fundem, ora se contradizem, ora se complementam, ora se subtraem aos ditames dos cenários mais variados ora se questionam perante os condicionalismos que o coração, a condição social e o sentido de oportunidade impõem.  Marcados por uma dinâmica a que o olhar de um narrador perspicaz e inteligente faz justiça, as andanças de Bilunka fazem dela uma espécie de heroína de uma história nacional em que a emigração se fez a janela das nossas riquezas e a porta das nossas desgraças, o canal de acesso a bens materiais, civilização, outros conhecimentos, e o caudal de sonhos e amores desfeitos, promessas que nunca se cumpriram e perdas de contato que amofinaram mães e filhos, noivas e prometidos, renegados que foram ficando nestes dez grãozinhos de terra.
A visão do tópico emigração neste romance se apresenta na complexidade dos seus contornos e o autor, numa pincelada antropológica  de  complemento  etnográfico, soube retratar, no verdadeiro sentido deste verbo, as cores, formas e movimentos de vidas que se observam  em  diferentes perspetivas. Dal que o convite para a apresentação deste livro possa merecer a oportunidade de desencadear um estudo mais atento  ao conhecimento do homem  cabo-verdiano, na sua contemporaneidade histórica, geográfica e cultural  digno de um ensaio mais aturado  que este espaço;:o não permite.

Consideramos que a leitura desta obra, para além do prazer alimentado pela linguagem cuidada o quanto basta e frequentes passagens marcadas por uma vivacidade original  e criativa,  juntamente com  as descrições físicas e psicológicas  atentas, se oferece plenamente   a  uma  analise  mais  teórica   e  aprofundada.  Neste pressuposto, devemos categorizá-lo e perceber que, de entre as modalidades que se oferecem ao exercido da escrita literária, o romance é aquele que, pela sua versatilidade e possibilidades de expansão, se afigura como a forma mais indicada para se explorar tempo, espaço e ações em prol do desempenho de personagens que podem avançar e recuar no tempo para viver e recordar, amar e odiar, amadurecer e rejuvenescer. Desde a escultural Bilunka, a o rabugento e impaciente Bidol ou títulos sem nome como Representante de Partido, Delegado de Governo, Grupo  Recreativo, ditos  e ensinamentos  de  Amílcar  Cabral, entre  o  idealismo romântico, a utopia  da felicidade  e a crueza da realidade quotidiana, para além de assunto de  conversa,  tais  destaques   proporcionam  comentários,  reflexões   e  registos  de  cariz ensaístico a que o autor/narrador se propõe.
Vejamos por exemplo, de entre os detalhes da caracterização dos personagens Bidol e Fininha de Nha Mariana (p.15 LER)

Carnaval, Política, Vida, Felicidade, Amor, Relacionamentos, e mais não dizemos, ganham no texto uma colocação interessante quando sujeitos à pena de filósofos, personalidades públicas, escritores famosos, sob a forma de provérbios, máximas ou simples cita ao. Eis um dado de intertextualidade, que permite o diálogo entre textos e pensamentos, respostas e questionamentos que de outra forma dificilmente se expressam com poder e sentido de ocasiao.Tal são os exemplos de Durkheim, ltchart, Cabral, Virgílio, Piaf, Álvaro de Campus cujos registos dão um tom reflexivo e entrelaça imortais e viventes no mesmo espaço de comunhão,sentires e saberes.

Este romance, cuja dimensão merece destaque no panorama de manifestações da Literatura Cabo-verdiana, pelo registo  de  conteúdo,  pela  qualidade   da  escrita  e  pela sabedoria  a que  subjaz o nível de intervenções  intranarrativas do  seu narrador, marca  a diferentes  níveis:
Antes de tudo, o romance marca pelo título. Percursos & Destinos foi a escolha acertada para uma história plural, protagonizada por um coletivo de gente com nome e com história. Trata-se de um romance que integra três elementos fundadores: experiencias, reflexões e postulados. As experiências se repartem em vivencias  cruzadas, apesar das características que sustentam a individualidade de cada uma das personagens.

Para nós, sem dúvida e não por acaso, a grande lição desta obra é ade que toda a gente tem direito de ser feliz, mas a felicidade é uma  busca  inglória  porque  plena  de percalços, tombos, altos  e baixos, "como tudo o resto, também não imune  ao tempo, as frustrações e a rotina”. Lopes Filho, o seu narrador, Nha Cacilda botando cartas e tendo Tarot para Bilunka, que importa, quando o leitor se detém nessa definição da  felicidade, tal "construção   de   um  saber  pensado   por   humanistas,   filósofos   e  religiosos,   desde  os primórdios das civilizações, para  alumiar  o  caminho  tornado  por  cada pessoa visando  a plenitude da sua existência"( p.313)


De Caminhadas trata este romance de Lopes Filho: "Essa caminhada é rude e cheia  de  escolhos inúmeros, nomeadamente de forças ocultas que proliferam atrás das lombas e que são poderosas na determinação dos percursos  da vida. Ao desafiar o ilusório equilíbrio entre o sonho propriamente dito e o negro azar, entra-se em conflito com uma verdade de que ninguém é detentor e com um destino que ninguém controla" (p.314) Aqui se descortina  o título e o significado  deste romance-síntese  no sentido de que a filosofia  nos ensina o percurso  de argumentação em que a tese se configura no confronto antitético para alcançar a síntese.
Assim, os percursos apenas se cruzam e do  fim  para  o  princípio, se confirma que A vida  não  é  possível sem mudanças…

Muito obrigada pela vossa atenção

Fátima Fernandes, Praia, 28 Outubro 2011

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Percursos e Destinos

Rico em citações – de diferentes autores, que funcionam como esclarecimento/ explicação:

Na opinião de Milan Kundera “a nostalgia é, portanto, o sofrimento causado pelo desejo insatisfeito de regressar (…) Saudades dizem os portugueses (…) Muitas vezes significam apenas a tristeza causada pela impossibilidade do regresso ao país. Recordação dolorosa do lugar(…) A esta luz etimológica, a nostalgia aparece como o sofrimento da ignorância. Tu estás longe e eu não sei o que te acontece.” Pág.104

Romance – predomina a descrição, de tal forma que conseguimos visualizar aquilo que o narrador descreve.
Descrição de Bilunka – “Sem se alhear do ambiente, sentada num sofá de tons escuros, Bilunka conversa com algumas amigas. Traça as pernas esculturais, que a minissaia generosa deixa por inteiro a descoberto e, num gesto felino, atira a cabeça para trás, sacudindo os cabelos negros, que lhe caem pelos ombros, deixando assomar nos lábios carnudos aquele sorriso ao mesmo tempo ingénuo e sensual.” Pág.9

Algumas críticas subjacentes… onde é utilizado o Carnaval para o fazer.
“Todavia, apesar de todo o empenho colocado nos diversos preparativos, imagine-se a estupefacção geral quando correu o boato de que, perante as mudanças introduzidas pelo novo regime sócio-político-administrativo, passava a ser necessária uma autorização especial para realizar o desfile dos blocos carnavalescos.
Numa moldura de constrangimento, a ansiedade estampou-se nos rostos aguardando a decisão das autoridades, visto existir grande controvérsia junto dos decisores em saber se o Carnaval seria ou não uma emanação de índole colonial.” Pág.17
O autor enriquece a sua ideia com um excerto de uma poetisa argentina Mirta Itchart:
“Vinda das palavras
a mensagem chega críptica
(…)
O homem caminha a dor
das notícias quotidianas.” Pág.17
Alguma instabilidade… questões políticas …
“Os festejos carnavalescos vinham sendo realizados há uns bons anos e os respectivos desfiles constituíam uma tradição, tanto mais que a população já contava com eles anualmente.
Todavia, as mudanças político-administrativas pós-Independência Nacional deram lugar a alguma instabilidade social, dado que, no princípio, não havia consenso sobre o modo de proceder relativamente a determinadas situações que vinham do período anterior. No caso em apreço, os então chamados “progressistas” consideravam o Carnaval como uma emanação de cariz fascista, com resquícios de colonialismo, que como tal deveria ser contrariada.
Conhecedores dessa posição, ao longo dos preparativos e ensaios, os participantes estiveram sob forte tensão, motivados pela ansiedade de saber se, apesar de todo o empenho, esforços e investimentos, a saída dos blocos não seria autorizada como de costume.” Pág.19

Infância de alguns povos é retratada na personagem Bilunka:
“Praticamente não tivera tempo para brincar com as bonecas. Crescera depressa para poder dar o seu contributo ao magro orçamento familiar, ajudando a progenitora a criar uma catrefada de filhos. Para sobreviver num quotidiano difícil e personificando a tenacidade do cabo-verdiano,  numa coragem que renascia em cada novo dia, a mãe de Bilunka fazia do desespero forças para conseguir equilibrar a panela sobre as três pedras do fogão. Vezes sem conta almoçaram “bife de caneca”.
Na grandiosidade que o sonho encerra, vivia com mágoa de não poder continuar os estudos como muitas das suas companheiras da escola primária que tinham ido para o liceu, enquanto ela se quedara na quarta classe.” Pág.41

A questão da Emigração também aqui é abordada:
“Tudo pronto, preparado aquele mínimo indispensável para a viagem e conhecida a data do embarque, chegou o dia da partida. Na despedida, uma amálgama de emoções em rebuliço crescia nas feições dos presentes, denunciada consoante o grau de amizade que os ligava a Bilunka. Porém, a tristeza estampava-se em cada olhar, fossem rostos tisnados pelo sol e ressequidos pelo suor ou rostos abertos pela morabeza, também nos semblantes rebeldes de jovens concentrando a esperança e, ainda nas caras resignadas e sedentas de chuva, porque o ambiente dos meios pequenos unia todos no característico sentimento da “Hora di Bai”. Pág.49
A partida, os mais velhos, a saudade e o até nunca…
“Verteram-se muitas lágrimas, enquanto a candidata a emigrante procurava disfarçar a emoção com um leve sorriso divisível por quantos a rodeavam naquele momento muito especial. Contudo, Papai, avô de Bilunka, ficou bastante abalado com a partida. (…) Pág.49
Com a respiração dificultada pela doença mais a emoção, de olhos muito abertos, esfregava nervosamente as mãos nos joelhos. Preocupante aquela expressão, porque falava com dificuldade como se as palavras doessem ao saírem-lhe da boca. A amargura daquele momento residia no facto de que certamente já não voltaria a ver a neta. Procurou conter as lágrimas que teimavam em saltar-lhe dos olhos, porque a verdadeira lágrima não é aquela que cai dos olhos e escorre pela face, mas sim a que sai do coração e escorre pela alma, pois jamais será esquecida. Confrontando os receios próprios da idade e com as mãos segurando o queixo, abanou lentamente a cabeça, fixando as pontas gastas das sandálias, e exclamou: - Terra longe tem gente gentio, gente gentio que tâ c’mê gente…
Bilunka acenou com lágrimas de saudades, atirando ao vento gestos subtis de beijos com mantenhas.” Pág.49,50,51

A novidade, o desconhecido, a adaptação…
“Habituada à pacatez do seu lugar em que todos se conheciam, Bilunka sentiu-se forasteira no ambiente cosmopolita da grande urbe. Tudo diferente, as largas ruas, edifícios enormes, as superfícies comerciais, a azáfama urbana, o corre-corre das pessoas que nem têm tempo para se cumprimentarem.” (…)
Anónima na grande cidade, ninguém lhe passava cartão e Bilunka interiorizou a verdadeira sensação de ser estranha em terra estranha.” Pág.105

Missão de quem emigra…voltar à terra natal…
“Embora tivesse o cuidado de regularmente enviar às pessoas mais chegadas uma encomendinha como sinal de amor, a rechear as cartas, tratava-se da primeira visita que Bilunka fazia aos seus familiares desde que embarcara rumo à Itália. Passara bastante tempo sem ter regressado à terra, mas sempre a guardou na parte mais quente do seu coração, enquanto as saudades se iam acumulando no corredor dos anos. Daí que esta visita para rever familiares e amigos, em partilhada e sã alegria, reforçasse os laços que a prendiam fortemente ao seu chão.” Pág.41
Emigrante de sucesso…
“Logo que se sentiu mais ou menos integrada e no sentido de melhorar a sua situação, Bilunka procurou aproveitar utilmente as possibilidades que se lhe deparavam, sacrificando, para tanto, os seus escassos tempos livres, e com vista a aumentar os seus conhecimentos, começou a frequentar cursos de formação no “Instituto Tra Noi”, que fazia um notável trabalho no sentido da integração das cabo-verdianas na Itália. (…)
(…) de modo que nesta aventura por terras estrangeiras sentiu-se estimulada para continuar os estudos, frequentando a Escola Santo António dos Portugueses, em Roma, onde completou com sucesso o nível do secundário, cumprindo cabalmente, no entanto, as  suas obrigações na casa da família que a acolhera na Itália. (…)
Porém, dotada de grande força de vontade, não se quedou por aí, pois com este incentivo e já familiarizada com os livros decidiu matricular-se na universidade, visto considerar que assim estaria mais capacitada para participar no desenvolvimento da sua terra.” Pág. 110-111


Recortes seleccionados por Marlene de Brito e lidos na apresentação em Lisboa – Associação Cabo-verdiana, 22–12-2011

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Apresentação de Ondina Ferreira, Praia
 
Antes de mais, felicitar o Autor por mais um livro. E desta feita, «Percursos & Destinos» que virá certamente enriquecer o panorama literário nacional. A edição que temos em mão já traz a boa notícia de que se trata de um livro galardoado com o prestigiado prémio Sonangol, 2010.
 
Posto isto, gostaria de entrar na narrativa para vos dizer o seguinte: ao terminar a leitura deste romance ficara-me na memória de leitora algumas passagens, que diria marcantes, e ao mesmo tempo estruturantes da própria obra.
 
Desde logo, a descoberta ao longo das páginas do romance, da forma interessante como o antropólogo “espreita” o ficcionista e, vice-versa, como o ficcionista muitas vezes, “cede lugar” ao analista/etnólogo.
 
Ora bem, exemplos desse entrosamento e dessa confluência de visões são recorrentes ao longo das páginas do romance. Diria mais: na minha perspectiva, a construção da narrativa fez-se experimentalmente com um quase banir de fronteiras, para dar lugar a um largo e interessado encontro entre o criativo e o ensaísta e em que subjaz um diálogo entre o antropólogo e o ficcionista. Aliás, as duas facetas do autor e/ou do narrador, enquanto seu representante.
 
E isto surge – como já o disse – com alguma frequência, em Percursos & Destinos, de tal modo que, volto a repetir, na minha visão de leitora, os “Percursos” dos protagonistas e das outras personagens que propiciam a acção, e o contexto da narrativa, são bastas vezes, motivos de aproveitamento por parte do narrador, para uma análise histórica, antropológica, dos usos, das tradições, dos costumes e das superstições da terra.
 
Enquanto que os “Destinos” configuram a teia, o universo ficcional propriamente dito, da história de um amor em que a sorte, o fado, os astros regentes, enfim, um conjunto de condicionalismos esotéricos, ora em conjunção, ora em disjunção com as vicissitudes da vida não o consagraram. Numa palavra: não facilitaram a relação amorosa entre os protagonistas do drama.

Ora bem, o leitor entenderá que estas duas partes – os percursos e os destinos – concorrem quer de forma convergente quer de forma divergente para a configuração do tema maior do romance que acaba por ser o deste amor mal sucedido!

A intriga ficcional centra-se – e aqui levanto um pouco o “véu da história – centra-se, dizia eu, no encontro/desencontro de duas personagens: Bilunka e Djonsa.
 
À volta delas, o narrador gere e distribui uma cadeia de acontecimentos que tem como pano de fundo, a emigração e como cenário, ou espaço da intriga, uma das ilhas ou mesmo mais do que uma ilha deste Arquipélago em que nos encontramos; e que na obra, por vezes parece una, mas que ora adquire feição mais urbana que pode sugerir Mindelo, ou outra cidade; ora adquire feição rural/urbana que pode levar-nos à Vila Ribeira Brava, ou a evocar a orografia da ilha de Santo Antão e/ou mesmo a descrever, regiões de S. Nicolau.
 
De qualquer forma, trata-se fundamentalmente, de solo ilhéu e cabo-verdiano e do qual, geograficamente poderemos traçar, se quisermos, um mapa principal, de que aliás o próprio livro nos fornece os marcos e que traça também o itinerário das duas personagens principais, pois que são elas, os «Torna-viagem» da narrativa. E o itinerário é o seguinte: S. Nicolau, S.Vicente, Portugal, Holanda para Djonsa, e para Bilunka, o mesmo percurso, a terminar na Itália.
 
O certo é que se trata de uma emigração datada já historicamente, pois que Bilunka a protagonista feminina é a “italiana” no nosso sociolecto emigratório e a personagem Djonsa, o contraponto masculino, é o “holandês.” E é uma emigração com alguma especificidade que nos remete – em termos de pertença – para as ilhas de Barlavento.
 
Outro elemento a destacar, a focar em «Percursos & Destinos» aliás, como em qualquer texto literário é, sem dúvida, o narrador. E nesta ficção ele não é somenos, bem pelo contrário, aqui o narrador, como que num jogo de palco, assume-se com relevo, mas igualmente passa a palavra e dá voz a outros narradores, embora secundários, mas que não deixam de contribuir para a tecedura do todo do livro. O narrador-mor e os narradores secundários, desta narrativa – se assim os posso denominar – cada um a que a seu jeito e a seu modo, acabam por ser igualmente instâncias representativas dos aspectos vivenciais e existenciais da comunidade cabo-verdiana dentro e fora das ilhas.
 
Convinha na sequência desta leitura/análise, chegar a uma outra categoria do romance que é o tempo, o tempo narrativo. Verifica-se nesta obra, que ele se entrelaça ao tempo histórico, e que é pontuado por vários e diferentes períodos e, por diversos acontecimentos que marcaram e marcam ainda, a vida social e histórica das ilhas. Apercebemo-nos de uma espécie de simultaneidade de tempos (narrativo e histórico) justapostos, e em que tempo histórico adensa-se e chega a destacar-se em alguns capítulos, sobreponde-se, a espaços, no universo do romance.
 
E o resultado desta justaposição dos dois tempos é trazerem-se histórias para dentro da estória. Narram-se festas do Carnaval e as dos santos padroeiros ou populares muito festejados na terra. Contam-se as quase lendas dos homens do mar, as suas aventuras em viagens de cabotagem inter-ilhas. Recordam-se as tristes ocorrências da crise de 40, e ilustram-se os episódios vividos pelo emigrante em terras estrangeiras.
 
Estes são registos que «Percursos & Destinos» cataloga, inscreve, na linha daquilo que o poeta Corsino Fortes distinguiu na obra de João Lopes Filho, quando a anunciou vencedora do Prémio Sonangol (2010). Passo a transcrever:
 
«…a audácia do pormenor descritivo e a qualidade formal com que retratou o percurso da insularidade, os processos sociais e culturais de um determinado tempo histórico da vida do povo cabo-verdiano».
 
E com esta apreciação que não é minha mas que faço minha, chego ao fim da leitura de Percursos & Destinos, desejando igualmente a todos, uma boa leitura. (Notícia do lançamento do livro - TCV).
 
Editora: Sete Egos

Ondina Ferreira,  Apresentação do Livro Percursos & Destinos, Praia, 2011


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